A divulgação da troca de mensagens entre o hoje ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro e o procurador federal Deltan Dallagnol coloca em risco o futuro da Operação Lava Jato, a maior investigação de corrupção do País.
A primeira leva dos diálogos publicada pelo site The Intercept revela a participação ativa de Moro em decisões que deveriam ser exclusivas dos procuradores.
Se alguém tem dúvidas da irregularidade da parceria, basta pensar no oposto: e se o ex-presidente Lula houvesse sido inocentado por Moro e um ano depois aparecessem diálogos seus com dicas para o advogado de defesa, Cristiano Zanin?
Se o ministro da Justiça tinha alguma expectativa de se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal é bom esquecer. A sua conduta nos diálogos pode não ser ilegal, como afirmam seus defensores, mas ultrapassou a zona cinzenta do aceitável. Sergio Moro está hoje na mesma situação que o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que em busca de provas sobre crimes do ex-presidente Michel Temer assinou um acordo indefensável com os donos da JBS, Joesley e Wesley Batista.
A Lava Jato conseguiu sobreviver ao ocaso de Janot. A questão é se vai conseguir sobreviver também ao desgaste de Moro, se as provas coletadas ficarão de pé e se a própria Força Tarefa irá sobreviver ao escândalo.
Dada a anomalia da parceria entre Moro e Dallagnol, quais as consequências da troca de mensagens? Fazer previsões no Brasil é tarefa arriscada, mas vamos tentar imaginar alguns cenários:
Força Tarefa: Durante os últimos cinco anos, a Força Tarefa da Operação Lava Jato prendeu, processou e obteve a condenação de alguns dos empresários mais ricos e políticos mais poderosos do país. Ela quebrou o sistema de silêncio mafioso nos carteis e licitações porque obteve uma aura de princípios e credibilidade raros no país. As falhas nas operações foram minimizadas em prol do “bem maior”, a descoberta de um bilionário esquema de corrupção na Petrobras, Eletrobras, Dersa, Angra, Belo Monte, estádios de futebol, etc… As Forças Tarefas de Curitiba e do Rio conseguiram avançar nas suas investigações porque, apesar das queixas de direcionamento, acabava provando a maior parte de seus inquéritos. É absolutamente improvável que as provas coletadas nesses anos todos sejam descartadas, mas qual a credibilidade dos procuradores em manter novas operações? Hoje é baixa. Se amanhã os procuradores prenderem um grande executivo ou um político importante haverá de imediato uma acusação de parcialidade e muita gente disposta a acreditar. Os procuradores de Curitiba perderam o benefício da dúvida.
Sergio Moro: O ex-juiz cometeu o pecado da vaidade ao aceitar o Ministério da Justiça, justificando que assim teria mais condições de mudar o sistema legal e unificar os órgãos de combate à corrupção. Moro sempre se disse um fã do juiz de instrução italiano Antonio di Pietro, o idealizador da Operação Mãos Limpas. Conhecida internacionalmente pelas 800 prisões e milhares de processo, a Mãos Limpas é, na opinião do próprio Moro, uma história de fracasso. Apesar de todas as prisões e revelações que destruíram os partidos Democrata Cristão, Socialista e ex-Comunistas, em poucos anos o Congresso italiano aprovou uma anistia perdoando os políticos envolvidos. Sem os partidos tradicionais, o bilionário Enrico Berlusconi se tornou primeiro-ministro e é possível dizer que a Itália ficou mais corrupta depois do que antes das Mãos Limpas. Por isso, escreveu Moro, era necessário ir além das operações policiais para alterar a estrutura legal, ampliando penas e os controles do Estado. Tudo isso foi por água abaixo.
Em um dos diálogos captados ilegalmente, Sergio Moro recebe os parabéns de Dallagnon pelas manifestações de rua a seu favor. Moro agradece e faz as seguinte consideração:
“Ainda desconfio da nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar (sic), mas isso não está no horizonte. E não sei se o stf tem força suficiente para =processar e condenar tantos e tão poderosos”. A possibilidade de o Congresso ou o Supremo simpatizarem com qualquer iniciativa assinado por Moro é zero.
Lula: Não há, ao menos no material divulgado até agora pelo The Intercept, substância de conluio para fabricação de provas. Como observou o sociólogo Celso Rocha de Barros em coluna na Folha, “ninguém foi inocentado pelos vazamentos do Intercept. No geral, as conclusões gerais da Lava Jato sobre como o cartel das empreiteiras financiava todos os grandes partidos políticos continuam de pé. Mas o quadro que emerge sobre o julgamento de Lula é ruim. Não há nada nos vazamentos que prove que Lula é inocente, mas há sinais fortes de que seu julgamento não foi normal”.
É natural que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva busque agora a anulação de todo o processo, justificando a parcialidade do juiz. É difícil que essa ideia prospere, uma vez que a condenação foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo preso, no entanto, Lula ganhou enorme reforço na narrativa petista de que é vítima de uma conspiração entre Moro, os procuradores e Jair Bolsonaro para prendê-lo, impugnar sua candidatura e impedir sua participação na campanha. Os diálogos evidenciam a torcida dos procuradores contra o PT, incluindo manobras para impedir a entrevista do ex-presidente.
Congresso: Nas manifestações promovidas pelo governo no dia 26, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o grupamento de partidos conhecido por Centrão foram alvos de ataques sistemáticos. “Corruptos” era a qualificação mais agradável. O impeachment, prisão e morte dos ministros do Supremo como Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski foi defendida como palavra de ordem.
É natural que com Moro e a Lava Jato na berlinda, os congressistas e os ministros aproveitem para demonstrar força. É provável que Moro seja convocado para depor na Câmara e que a lei contra abuso de autoridades seja aprovada _ dificultando a capacidade de investigação dos procuradores.
Bolsonaro: Ter um ministro da Justiça fraco e dependente do seu apoio mas ainda popular é tudo o que o presidente Jair Bolsonaro poderia pedir. Pressionado pelas investigações sobre assessores de seu filho senador Flavio Bolsonaro, o presidente deve manter Moro no governo como uma decisão pessoal de confiança, gerando uma dívida a ser paga na campanha eleitoral de 2022.
The Intercept: Como as mensagens divulgadas pelo The Intercept parecem ter sido obtidas ilegalmente pela fonte do material, é improvável que sejam aceitas pela Justiça como prova de que Moro e Dallagnol tenham cometido alguma ilegalidade. Como existe um inquérito aberto na Polícia Federal para investigar a clonagem do telefone celular do ministro, é provável que o Intercept sofra pressões para revelar suas fontes.
Foto: Agência Brasil