22 de novembro de 2024
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Entre salvar as suas reputações (e da Operação Lava Jato) ou seus empregos, o ministro Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol preferiam a segunda opção. Nos cinco primeiros dias do vazamento das trocas de mensagens pelo site The Intercept Moro, Dallagnol e os procuradores da Operação Lava Jato repetiram o mesmo manual de crise de Marcelo Odebrecht: primeiro, eles negaram a suspeita em tom indignados. Depois, minimizaram as acusações, contestaram a forma com as informações vieram a público e, finalmente, tentaram criminalizar os acusadores. Como Moro e a Lava Jato tem o apoio ostensivo de parte da mídia, é possível supor que, ao contrário de Marcelo Odebrecht, eles sobrevivam em seus empregos. Mas suas reputações estão maculadas.

Escreveu a revista The Economist: “Moro é um herói para muitos brasileiros. Mas sua posição agora parece indefensável. O maior dano é causado pelas muitas mensagens que Moro trocou com Dallagnol em que ele apareceu tanto para treiná-lo quanto para criticá-lo. Os dois pareciam trabalhar juntos. Sob a constituição do Brasil de 1988, os juízes devem ser árbitros neutros. Na prática, dizem os advogados, os juízes trocam informações com os promotores. Isso é contra a lei e o código da ética judicial. Em um caso tão importante, Moro deveria saber que não podia infringir as regras”.

O Estadão, que sempre apoiou o ex-juiz, foi duro: “O ex-juiz Sergio Moro e os procuradores têm todo o direito de reclamar do que parece ser uma ação criminosa para tornar públicas conversas privadas, com potencial para ferir a reputação dos envolvidos, do mesmo modo como muitos políticos têm todo o direito de se queixar de que sua reputação foi arrasada depois que seus nomes apareceram em vazamentos de delações premiadas feitas à força-tarefa da Lava Jato – vazamentos estes que, recorde-se, jamais tiveram suas autorias elucidadas e, portanto, jamais foram punidos. Não foram poucas as vezes em que as suspeitas levantadas pela Lava Jato custaram o cargo a ministros de Estado, incapazes de se explicar. Se Sergio Moro continuar a dizer que é normal o que evidentemente não é, sua permanência no governo vai se tornar insustentável. Fariam bem o ministro e os procuradores envolvidos nesse escândalo, o primeiro, se renunciasse e, os outros, se se afastassem da força-tarefa, até que tudo se elucidasse”.

Moro e Dallagnol deixaram o mundo jurídico para entrar numa batalha de opinião pública, onde a fronteira do certo e errado se perde na névoa. Assim como trocou a camisa do seu time pelo Flamengo, Moro joga agora com a tese de que os fins justificam os meios e que um desvio ético era necessário para tirar o PT do poder, tudo bem. É uma posição política equivalente a de que os avanços sociais nos governos petistas abonavam os esquemas de corrupção. Faz parte do jogo político, não mais do jurídico.

As mudanças no discurso

Nas primeiras notas oficiais e declarações públicas, o grupo dos procuradores da Lava Jato de Curitiba negou que os diálogos revelassem impropriedade, embora já aventasse chance de fraude no conteúdo tornado público. A partir de quarta-feira, porém, a ênfase passou a ser a possibilidade de conversas terem sido falsificadas pelo suposto hacker que teria invadido celulares de investigadores.

No domingo, dia 9, Moro divulgou nota sem negar o The Intercept. “Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias”, afirmou.

A nota da Força Tarefa foi na mesma linha: “Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão (dos celulares), mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”, informou nota. “Há a tranqüilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial”.

Em entrevista na segunda-feira, 10, em Manaus, Moro declarou não ver “nada demais” nos diálogos a ele atribuídos e que não consta “nenhuma orientação ali”. Num vídeo divulgado na segunda-feira, dia 10, Dallagnol centrou seu tempo justificando sua relação com Moro. “É normal que procuradores e advogados conversem com o juiz, mesmo sem a presença da outra parte”, afirmou.

A mudança no tom ocorreu depois que o ministro do STF e adversário da Lava Jato, Gilmar Mendes declarar que mesmo obtidas ilegalmente as mensagens poderiam ser usadas como provas em recursos judiciais. Pela lógica de Gilmar Mendes, se a Justiça concluir que a troca de mensagens demonstrou parcialidade por parte do juiz, as sentenças tomadas no processo poderiam vir a ser anuladas.

Depois da declaração de Gilmar Mendes, a nota dos procuradores de Curitiba focou em suspeitar da falsificação de mensagens. “Novos ataques (a celulares) confirmam a possibilidade de hacker fabricar diálogos usando perfis de autoridades”, citou a nota. “A divulgação de supostos diálogos obtidos por meio absolutamente ilícito, agravada por esse contexto de seqüestro de contas virtuais, torna impossível aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material alegadamente obtido. Além disso, diálogos inteiros podem ter sido forjados pelo hacker ao se passar por autoridades e seus interlocutores”.

A tese de substituir o debate sobre a legalidade do conteúdo das mensagens para a discussão sobre como elas foram obtidas e por quem foram divulgadas passou a ser a nota única dos procuradores e de Sergio Moro. O Palácio do Planalto e vários veículos de mídia entraram na mesma linha. Surpreendentemente, no entanto, até sexta-feira, 15, Dallagnol não havia cedido o seu aparelho para perícia da PF. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, e a juíza federal Gabriela Hardt, que sucedeu Moro na 13a. Vara da Justiça Federal de Curitiba, já enviaram seus aparelhos. Os inquéritos para apurar os ataques aos dois foram abertos na semana passada.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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