Seguido à risca, o estilo Bolsonaro é obstáculo não apenas à aprovação da reforma da previdência como a qualquer estabilidade na relação com o Congresso, o Judiciário e a mídia. Por isso, deve-se olhar com a cautela devida a volúpia com que essas três instituições tratam o vice-presidente Hamilton Mourão.
Na terça-feira, 26, o vice-presidente foi à Fiesp. O salão para 456 pessoas sentadas ficou tomado e foi preciso instalar um telão em uma sala contígua para outras duzentas pessoas assistirem sua palestra. O vice leu um texto com alguns improvisos por meia hora e foi interrompido por palmas seis vezes. Defendeu a reforma tributária, uma abertura comercial gradual que protegesse a indústria local e uma ação coordenada para aprovar a reforma da previdência. Platitudes, mas o tom ameno deixava evidente a diferença com o estilo espalhafatoso do presidente.
Mourão citou Bolsonaro apenas uma vez: “quero enfatizar que ele não está pensando nas próximas eleições, mas nas próximas gerações”. Cuidadosamente este foi o trecho que o vice escolheu para colocar nas redes sociais.
À noite, Mourão foi o convidado de um jantar para trinta grandes empresários. Novamente, não disse nada fora do script. Ouviu muita reclamação sobre o comportamento errático do presidente, dos filhos e de como o ministro Paulo Guedes está isolado na defesa da reforma da previdência. Segundo a Globonews, o vice tentou convencer os empresários de que “as coisas entrariam nos eixos”.
Um executivo que foi ao jantar comparou o clima com os convescotes da Fiesp com Michel Temer em 2015, quando o então vice ainda não assumia querer derrubar Dilma Rousseff.
Exercício de resiliência
Isso não significa que exista uma conspiração em curso, apenas que, para usar uma metáfora ao gosto do presidente, o amor acabou. A partir de agora a relação de Bolsonaro com os políticos e com o mercado será um exercício de resiliência, com momentos mais ou menos tensos.
Em conversas privadas, os generais têm falado da possibilidade de se criar um cordão sanitário em torno do presidente, limitando sua ação a questões comportamentais e de segurança. Só cai nessa conversa quem acredita em boitatá.
Bolsonaro recebeu cinquenta e sete milhões setecentos e noventa e sete mil oitocentos e quarenta e sete votos sendo fiel a si mesmo. Os votos dos generais, de Paulo Guedes e de Sergio Moro cabem numa caixa de fósforo. Eventualmente, Bolsonaro irá ceder aqui e ali, mas não o controle do leme. Este seguirá sendo seu. Serão quatro anos de montanha-russa.
Foto: Karim Kahn