Reformas se resolvem apenas nas últimas horas. Portanto, é excesso de otimismo supor que o texto aprovado na Comissão Especial sofrerá poucas mudanças. O relatório do deputado Samuel Moreira teve duas alterações importantes na votação encerrada na madrugada de sexta-feira, 5:
• Os ruralistas conseguiram que se retirasse a possibilidade de que exportações agrícolas estejam sujeitas à incidência de contribuições previdenciárias, a reoneração das exportações. O destaque também excluiu trecho que impediria a remissão ou prorrogação de dívidas fora da folha de pagamento, entre as quais as do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
• Por pressão dos policiais militares e dos bombeiros, foi excluído o artigo que equiparava as regras de tempo de carreira das duas categorias com às dos militares das Forças Armadas.
O que pode mudar ainda?
A CUT lançou uma plataforma, Na Pressão, que permite a qualquer um enviar WhatsApp aos deputados defendendo suas posições, em mais uma evidência de como a pressão direta sobre os parlamentares se tornou a grande ferramenta do eleitor.
A principal categoria cutista a usar esse instrumento é a dos professores, historicamente competente no lobby congressual. Pelo relatório, as professoras passarão a ter idade mínima de aposentadoria de 57 anos e de 60 anos para homens, com 25 anos de contribuição para ambos os gêneros. Nas regras atuais, professores do setor privado não têm idade mínima para se aposentar e podem requerer o benefício com 25 anos de tempo de contribuição, se mulher, ou 30 anos, se homem. No setor público, a exigência é de idade mínima de 50 anos para professoras e 55 para professores para os mesmos tempos de contribuição.
No relatório Moreira, os policiais federais foram equipados aos militares, com idade mínima para aposentadoria de 55 anos, tempo mínimo de contribuição de 30 anos para ambos os sexos, além de 25 anos de efetivo exercício da carreira. O presidente Bolsonaro autorizou a oferta de idades mínimas de 53 anos (homem) e 52 anos (mulher), com direitos a pensões com o último salário da carreira e reajustes iguais aos da ativa desde que cumprissem um pedágio de 100% sobre o tempo que faltasse para trabalhar. Ou seja, se faltarem dois anos, o agente teria que trabalhar mais quatro anos. Os PFs recusaram. Querem um pedágio de 17%, o mesmo dos militares das Forças Armadas.
É impossível encontrar um argumento financeiro para não incluir os Estados e Municípios na reforma. Hoje, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Espírito Santo gastam mais com servidores aposentados do que com aqueles na ativa e das 27 unidades da federação 23 têm déficit, de acordo com estudo do Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado.
Governadores não têm influência
O que sobram são motivos políticos. Os deputados e senadores não querem assumir sozinhos o ônus de retirar privilégios dos servidores estaduais, com naturais reflexos nas próximas eleições, sem que os governadores coloquem suas caras à tapa. Em entrevista ao Globo, o presidente da Comissão Especial, Marcelo Ramos, contou da fraqueza dos governadores. “Os governadores têm pouca ascendência sobre as suas bancadas. O (Wilson) Witzel, do Rio, e o Romeu Zema (de Minas Gerais) não têm ascendência nenhuma, zero. Outros têm dificuldades por questões mais políticas e até ideológicas, como governadores do PT. Alguns estão convencidos de que precisam da reforma, mas não conseguem, do ponto de vista político e ideológico, fazer com que parte dos deputados do PT votem a favor da proposta”. Se os governadores não mudarem a estratégia, os Estados estarão fora.
Foto: Renato Costa/ Framephoto/ Estadão Conteúdo