Jair Bolsonaro é um dos presidentes mais menosprezados pelos ministros, comparável a Costa e Silva e José Sarney. O general Santos Cruz imaginava que a intimidade de décadas lhe permitiria dizer verdades e controlar o presidente. Foi demitido. O Congresso achou que, uma vez eleito, JB iria se adaptar ao sistema. Esperam sentados. Personalidade mais poderosa do Brasil entre 2016 e 18, Sergio Moro considerou sua participação no governo Bolsonaro um pedágio para implantar as medidas que mudariam o combate à corrupção.
O fracasso de Moro é retumbante.
Fragilizado pelas seguidas revelações da Vaza Jato, o ex-juiz se viu obrigado a atar o seu destino com Bolsonaro. Chegaram a ir ao estádio juntos, em uma das cenas mais deprimentes da política recente. Com Moro sem opção, Bolsonaro começou a mostrar quem manda. Para a família Bolsonaro, o filho Carlos especialmente, Moro tem um projeto independente do presidente (o que, aliás, é verdade). Enquanto o presidente havia demonstrado seu apoio ao ex-juiz quando o site The Intercept revelou sua interferência na Operação Lava Jato, Moro não retribuiu. Ele por exemplo não agiu para coibir as investigações da PF e do Coaf sobre Flavio Bolsonaro, isenção que foi vista como deslealdade, a maior ofensa possível dentro do Planalto.
Para Carlos, desgastado demais para se tornar ministro do STF, Moro havia assumido pretensões presidenciais para 2022. Também havia aceito homenagens do governador João Doria e trabalhando intensamente em parceria com a Rede Globo, dois inimigos do bolsonarismo. Foi a senha para “fontes do Planalto” passarem a insistir que o ministro “não entendia de segurança pública”.
A interferência presidencial na Polícia Federal do Rio foi a oportunidade para enterrar as investigações sobre Flavio e humilhar Moro. “Se eu não posso trocar o superintendente (da PF no Rio), troco o diretor geral. Qual o problema? Está na lei que eu que indico, e não o Sérgio Moro. E ponto final”. Moro ficou em silêncio.
Moro não vai pedir demissão. Ele ainda tem processos de suspeição no Supremo sobre os quais estaria fragilizado sem o cargo de ministro. Na sexta-feira, 23, a seção Painel da Folha informou que Moro identificou que o presidente tenta “emagrecer, fragilizar” o ministro da Justiça e que sua única alternativa seria resistir. O Globo informou que Moro decidiu esperar que Bolsonaro o demita e pague o preço público de explicar as razões.
Os embates do presidente com o ministro vêm desde o início. Logo no primeiro mês de gestão, JB editou decreto para flexibilizar o porte e a posse de armas sem pareceres técnicos do Ministério da Justiça. Moro disse que a medida não era política de segurança pública. Depois, o presidente vetou o convite do ministro à cientista política Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em fevereiro, Moro apresentou o ‘pacote anticrime’ e rapidamente Bolsonaro subestimou sua importância e ressaltou a possibilidade de o projeto atrapalhar a votação da reforma da presidência. Bolsonaro autorizou seus líderes no Congresso a negociarem o retorno do Coaf do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia e depois anunciou a demissão do chefe do órgão, indicado por Moro.
O rompimento de Bolsonaro com Moro é um processo em andamento. Em tese, eles podem se reconciliar, mas se o afastamento for definitivo é uma jogada arriscada. Bolsonaro foi eleito com o apoio velado da Lava Jato e por se dizer representar a luta contra a corrupção. A lógica de Carlos Bolsonaro é que os lavajadistas não terão opção a não ser apoiar a reeleição do presidente para evitar o retorno do PT, mas este é um cálculo difícil de ser feito com três anos de antecedência.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil