A divulgação da citação do nome do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que deveria investigar a morte da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes é um fio do labirinto que o país se meteu. Negra, lésbica e do PSOL, Marielle e Anderson foram executados quase 600 dias atrás ao que tudo indica por milicianos, a mando de políticos do Rio de Janeiro. Entre os acusados formalmente pelas mortes estão os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiros. Lessa mora no mesmo condomínio na Barra da Tijuca onde Jair Bolsonaro e seu filho Carlos têm casa.
Horas antes dos assassinatos, em 14 de março de 2018, Élcio Queiroz foi ao condomínio. De acordo com o porteiro, ele teria dito que iria para a casa do “doutor Jair” e que alguém da casa do então deputado autorizou a entrada. O porteiro afirmou isso em dois depoimentos à polícia, notando que pelo vídeo viu que o carro de Élcio se dirigiu para a casa de Lessa. As execuções ocorreram horas depois de os dois ex-policiais se encontrarem.
Essa foi a notícia divulgada pelo Jornal Nacional na noite de terça-feira, 29, com a ressalva de que naquele dia Jair Bolsonaro estava na Câmara dos Deputados, a 1.202 quilômetros do condomínio.
Autorização
No dia seguinte à reportagem, o filho Carlos Bolsonaro exibiu áudio mostrando que foi Ronnie Lessa quem autorizou a entrada de Élcio Queiroz, uma forte contradição no depoimento do porteiro. Ato contínuo, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro chamou entrevista coletiva para afirmar que o porteiro havia mentido e seria processado por falso testemunho. Os Bolsonaros comemoram o que consideraram uma barriga do JN.
As promotoras do caso não pediram perícia no disco rígido do equipamento usado pela portaria do condomínio, ou seja, não levaram em consideração a possibilidade de arquivos terem sido apagados antes de ser apresentados às autoridades. Soube-se pelo processo que a mulher de Ronnie Lessa já havia fotografado os arquivos de entrada e saída do condomínio do dia nos assassinatos e enviado as imagens para o marido em janeiro de 2019.
Apenas em outubro, dezoito meses após os assassinatos e dez meses após a mulher do principal suspeito manusear o arquivo, é que o Ministério Público recebeu os dados de controle de acesso da portaria. E o laudo técnico apresentado na entrevista coletiva foi realizado apenas depois da reportagem do Jornal Nacional e produzido em menos de três horas. Horas depois da coletiva foi revelado que uma das procuradoras responsável pelo caso é uma bolsonarista fanática. Na sexta-feira, 1, ela foi afastada do caso.
Coletiva e laudo
Toda essa lerdeza dos promotores e policiais em apurar os autores e mandantes das mortes se transformou quando o nome do presidente foi divulgado. Em horas, as promotoras deram coletiva, descartaram o testemunho do porteiro e anunciaram um laudo apressado dos áudios. O procurador geral da República, Augusto Aras, foi igualmente lépido. Em horas decretou que o presidente era “vítima” no episódio. O ministro da Justiça, Sergio Moro, ordenou que a Polícia Federal tomasse novo depoimento do porteiro e a Advocacia-Geral da União determinou ontem a instauração de um procedimento para apurar eventual ato de improbidade administrativa no vazamento das informações citando o presidente.
A semana se encerrou sem se saber quem mandou matar a vereadora e com o porteiro sob risco de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional por calúnia contra o presidente.
Foto: Mídia Ninja