Como as opiniões políticas passaram a ditar com quem convivemos? Por que a tolerância com a opinião divergente ficou tão curta? Por que o acirramento nos grupos de WhatsApp não se encerrou mesmo depois das eleições? Por que tratamos as opções de candidatos como se fossem parte da nossa identidade? Essas são algumas das perguntas que o livro “Biografia do Abismo – como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil” disseca e responde. A partir da análise de 99 mil entrevistas domiciliares entre 2021 e 2023, o cientista político Felipe Nunes e o jornalista Thomas Traumann traçam um Brasil na beira do despenhadeiro.
O livro alerta que essa polarização extrema está se calcificando, ou seja, as pessoas estão mais firmes no lugar e é mais difícil se afastarem de suas predisposições iniciais. A calcificação significa menos disposição de desertar do seu grupo, romper com o seu candidato a presidente ou até votar no partido oposto. Há, portanto, menos chance de eventos novos e até dramáticos mudarem as escolhas das pessoas nas urnas. Novos eventos tendem a ser absorvidos em um eixo de conflito no qual a identidade desempenha o papel central. Isso significa flutuações menores de ano para ano nos resultados eleitorais.
O paradoxal é que esse estado de enrijecimento das paixões políticas não implica que os resultados eleitorais estejam pré-determinados. As identidades que se associaram ao lulismo e ao bolsonarismo são gigantes e permitem um alto potencial de votos para seus candidatos. Mas os dois movimentos são tão grandes que o resultado tende a ser definido por grupos pequenos, que podem se abster ou optar por um dos lados e, assim, decidir a balança eleitoral. Ao mesmo tempo que enxergamos um país mais enrijecido politicamente, os resultados são mais imprevisíveis.