A divulgação das primeiras conclusões do inquérito sobre as suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro pelo senador Flavio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz indicam um início de 2020 turbulento para o governo Bolsonaro. As investigações irão continuar no primeiro trimestre, produzindo mais indícios de uma relação promíscua que pode chegar ao próprio presidente. O caso Queiroz é o fantasma do Natal passado de Jair Bolsonaro.
O Ministério Público do Rio acusou Flávio Bolsonaro, enquanto era deputado estadual, de ter recebido R$ 1,6 milhão em operações suspeitas envolvendo sua franquia da rede de chocolates Kopenhagen e a compra e venda de imóveis usados na zona sul. Até essas novas revelações, só se sabia que o assessor Queiroz tinha dificuldades em comprovar a origem de seus recursos. O inquérito comprova que entre 2007 e 2018, 13 assessores de Flavio fizeram 339 depósitos em dinheiro, 127 transferências bancárias e 17 depósitos em cheques para as contas do ex-chefe de gabinete de Flavio, Fabrício Queiroz. Outros R$ 900 mil foram repassados a Queiroz sem procedência identificada. Durante o mesmo período, Queiroz sacou em espécie R$ 2,96 milhões.
Um dos episódios insólitos revelados pelas investigações envolve o sargento da Polícia Militar do Rio Diego Sodré Ambrósio. Ele pagou, em 2016, um boleto referente a uma parcela da compra de um imóvel da mulher de Flávio no valor de R$ 16,5 mil. À época, Ambrósio recebia como cabo da PM o salário líquido de R$ 4,7 mil. Em uma transmissão via youtube, Flavio disse que “não tinha aplicativo de banco à época” e que o amigo havia se oferecido a pagar a conta. Ambrósio, que estava com o saldo bancário negativo em mais de R$ 4 mil no dia da transferência, disse que posteriormente recebeu de volta o empréstimo em dinheiro vivo e que “preferiu” não depositar na sua conta.
Entre 2015 e 2018, foram identificados R$ 21,1 mil em depósitos em cheque e transferências bancárias do próprio Ambrósio e de sua empresa de segurança para a loja de chocolates de Flávio. Na sua versão no youtube, o senador explicou que o valor se refere a venda de chocolates e panetones. Entre a loja de chocolates de Flavio, na Barra da Tijuca, e o batalhão da PM onde Ambrósio trabalha, em Copacabana, existem outras oito lojas de chocolate da mesma rede Kopenhagen.
Os procuradores demonstraram que a mãe e a ex-mulher do líder miliciano Adriano da Nóbrega transferiram para Queiroz 20% de todos os salários que recebiam quando eram empregadas no gabinete de Flavio. As duas eram funcionárias fantasmas e só foram afastadas em 2018, depois da eleição de Bolsonaro a presidente. Além dos depósitos, o Ministério Público revelou trocas de mensagens nas quais Queiroz pede comprovantes dos valores depositados em sua conta bancária para “prestar contas”. Além de familiares de milicianos, os procuradores investigam sete parentes da segunda mulher de Bolsonaro, mãe do quarto filho presidencial, Jair Renan.
Michelle Bolsonaro
Os dados divulgados pelo Ministério Público do Rio são resultados de cruzamentos de depósitos bancários. Não há, ainda, nenhum dado comparando, por exemplo, os estoques da loja de chocolates de Flávio com as notas fiscais de vendas – procedimento comum para comprovar lavagem de dinheiro. Os depoimentos dos 13 ex-funcionários ainda estão sendo tomados. Os sigilos telefônicos ainda não foram analisados. Não há, por enquanto, nenhuma delação premiada.
É só o início de uma grande jornada. É um erro supor que Queiroz é o homem de confiança de Flávio. Ele é o homem de confiança de Jair.
Queiroz foi colega de Jair Bolsonaro no Exército, seu assessor direto e depois indicado pelo hoje presidente para assessorar o filho. Foi Queiroz quem depositou R$24 mil na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro de um suposto empréstimo de R$ 40 mil feitos pelo próprio presidente. Este empréstimo é o próximo passo das investigações.
Estratégia fracassada
A operação policial do Rio mostra o fracasso da estratégia bolsonarista de trancar o processo por cima. Em maio, o advogado de Flavio, Frederik Wassef, obteve uma inédita liminar do presidente do STF, Dias Toffoli, paralisando todas as investigações com dados bancários fornecidos pelo COAF. Nos meses subsequentes, o presidente Bolsonaro – que também contratou Wassef como seu advogado particular – trocou o chefe da Procuradoria Geral da República, da Receita Federal e o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro.
No final de novembro, o STF derrubou a liminar protegendo Flávio e as investigações no Rio foram oficialmente reiniciadas. O que os bolsonaristas não contavam e que nos meses em que foram proibidos de investigar Flávio, os procuradores e policiais seguiriam apurando pistas sobre os vários ex-servidores fantasmas do gabinete.
Foto: Mateus Bonomi / AGIF