Carlos Bolsonaro tem razão. Na segunda-feira passada, 29 de abril, o filho favorito do presidente publicou no Twitter que “Vejo uma comunicação falha há meses da equipe do presidente. Tenho literalmente [sic] me matado para tentar melhorar, mas como muitos, sou apenas mais um e não pleiteio e nem quero máquina na mão. É notório que perdemos oportunidades ímpares de reagir e mostrar seu bom trabalho. Perder é fácil, recuperar é quase impossível”.
A comunicação do governo Bolsonaro é falha porque reflete o comportamento errático do próprio governo. Pergunte mesmo para os ministros com assento no Palácio do Planalto a estratégia do governo além de aprovar as reformas da Previdência e o Pacote Moro e as respostas serão embaralhadas. O governo perde tempo demais na linha do “vamos mudar isso daí” e pouco no que pretende colocar no lugar. A queda na popularidade do presidente é relação de causa e efeito.
Mas organizar uma estratégia de agendas e linhas de ação que perpassem os ministérios é a parte simples do trabalho. No primeiro trimestre, o presidente passou mais tempo no Exterior que qualquer antecessor no mesmo período e quando viajou no Brasil, deu preferência a cerimônias militares. Aparentemente isso vai mudar. Bolsonaro também tem dado mais entrevistas, embora ainda lhe falte treino. Na terça-feira, 30 de abril, ele lançou uma medida provisória que facilita a abertura e o funcionamento de pequenas empresas e startups, mas a agenda teve destaque zero e foi explicada de modo superficial.
Na quarta-feira, Dia do Trabalhador, Bolsonaro fez o seu segundo pronunciamento em rede de TV. No dia anterior, os telejornais deram destaque ao aumento no número de desempregados e de desalentados com a possibilidade de voltar ao mercado. Bolsonaro não falou nada a essas pessoas. Em dois minutos, citou a medida provisória das startups, que é importante, mas não significa nada para quem só sai de casa para distribuir currículos. A insensibilidade do presidente está se tornando uma marca do governo.
Pessoalidade versus impessoalidade
O que faz a comunicação pública complexa é a relação entre líder e governo, pessoa pública e máquina pública. A comunicação de um presidente – e isso vale ainda mais no caso de Bolsonaro – é pessoal. Ela precisa reforçar os laços pessoais entre o político e o seu eleitor. “É uma conversa, nunca um discurso”, definiu o porta-voz de Obama, Josh Earnest.
A comunicação governamental, por sua vez, é por lei impessoal. É uma eterna prestação de contas de atos, gastos e promessas. É a tentativa sempre fadada ao fracasso de fazer três ministros coordenarem suas agendas a favor do governo e não deles mesmos. Quanto mais o presidente tem ojeriza da mídia (como é o caso do Bolsonaro), melhor deve ser a relação da comunicação governamental com os veículos.
Essa bipolaridade é o que diferencia a comunicação do presidente brasileiro da de um CEO de grande corporação. Em geral, o CEO não tem diretores com agendas paralelas às da empresa e tem um plano de negócios que precisa ser cumprido sob custo de uma reprimenda do mercado de ações ou do Conselho de Administração. Já os presidentes, mesmo os mais poderosos, não controlam as agendas de seus ministros e mantem com eles uma relação de interdependência sobre os votos no Congresso, não sobre os resultados efetivos na administração do Ministério. Mesmo os ministros apartidários – como no caso atual de Paulo Guedes e Sergio Moro – respondem ao presidente e ao mesmo tempo às suas biografias e aos seus pares. Guedes quer o respaldo do mercado, assim como Moro dos juristas e o general Augusto Heleno o apoio da tropa. Bolsonaro é parte dessa equação, mas não ela inteira.
Não bastassem essas particularidades, a comunicação pública parte de um princípio universal: você está sempre em dívida. Governos – especialmente em um país dependente do Estado como o Brasil, especialmente em um país injusto como o Brasil, especialmente em um país complexo como o Brasil – são culpados até prova em contrário. O governo nunca consegue cumprir todas as necessidades da sociedade e a comunicação pública corre o risco de se tornar uma justificativa para o que não foi cumprido ao invés dos efeitos para a sociedade do que foi realizado.
Logicamente esse é o quadro para um governo padrão, não o de Bolsonaro. A crítica de Carlos faz parte da disputa de poder com os militares, dessa vez com o ministro de governo, general Santos Cruz, a quem a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) está subordinada. O que Carlos aparentemente defende é o uso intenso da comunicação online do governo em sintonia com os tuítes e lives do pai. Santos Cruz não acredita em agências de propaganda, nem de comunicação e acredita que pode organizar o governo com equipes internas, como no Exército. Na semana passada, as duas agências de comunicação digital contratadas pelo governo demitiram quase 50 pessoas em Brasília por falta de pedidos da Secom.
Na Secom está o empresário Fabio Wajngarten, indicado por Carlos e Olavo de Carvalho. Depois que Bolsonaro mandou tirar do ar uma propaganda do Banco do Brasil e ordenou a demissão do seu diretor de marketing, a equipe de Wajngarten determinou que todo material de propaganda do governo, inclusive o das estatais, passasse por uma análise prévia. O ministro Santos Cruz desautorizou Wajngarten e disse que a ordem fere a Lei das Estatais e afirmou que não cabe à administração direta intervir na publicidade mercadológica. No dia seguinte, o presidente voltou a dizer que a decisão final era dele. Quem tem dois caminhos para trilhar, na prática não tem nenhum.
Foto: Sérgio Lima/Poder360