Jair Bolsonaro foi eleito comandando uma militância fervorosa. Apenas nos dois meses oficiais de campanha, ele movimentou 65 milhões de tuítes e 70 milhões de interações no Facebook, cinco vezes mais volume que o segundo colocado, Fernando Haddad, de acordo com a Dapp/FGV. Milhões de bolsonaristas distribuíram via WhatsApp milhares de posts, memes e vídeos de elogio ao capitão e solapando os adversários. Ao final, Bolsonaro acumulou 35 milhões de seguidores no Twitter, Facebook, Instagram e Youtube — um número que entre os líderes mundiais está apenas abaixo de Donald Trump, segundo pesquisa da Bites.
Eleito, JB agradeceu aos eleitores em uma transmissão ao vivo pelo Facebook, indicou ministro via Twitter e reforçou diversas vezes seu desprezo pela mídia tradicional. No discurso de posse, o novo presidente afirmou:
“O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes. Nesse novo ambiente, a crença na liberdade é a melhor garantia de respeito aos altos ideais que balizam nossa Constituição”.
Pautas laterais em foco nas redes
Nesses primeiros dois meses de governo, JB elevou o filho e estrategista digital, Carlos Bolsonaro, ao status de eminência parda da comunicação do governo e exibiu entre os ministros a confiança com a sua base online. Em um dos seus vários tropeços verbais, o ministro Paulo Guedes definiu assim a tática de aprovação da reforma da previdência:
“O presidente tem os votos populares, e o Congresso, a capacidade de aprovar ou não. A bola está com eles. Prensa neles”.
Neste contexto, é surpreendente como as redes bolsonaristas estão desinteressadas nas mudanças na previdência. Desde o envio da PEC da Reforma, os bolsonaristas desperdiçam seu tempo com pautas laterais, como a gravação de vídeos de alunos cantando o hino nacional, a eleição para a presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo, a crise na Venezuela e a indicação de Ilona Szabó para um conselho sem poder no Ministério da Justiça. Defesa da reforma da previdência? Esquece.
Falta profissionalismo na comunicação
O governo Bolsonaro falhou miseravelmente. Qualquer programa com essa ambição e esse grau de dificuldade teria de ter uma política de comunicação profissional. Não no governo Bolsonaro (justiça seja feita o Brexit também foi aprovado sob a frase we had enough from experts). O presidente gravou um pronunciamento sem emoção para rádio e TV, mas nenhum trecho estava editado e distribuído nas redes sociais no dia seguinte, nenhum post foi lançado no Facebook, ninguém moveu as correntes de WhatsApp.
A primeira entrevista coletiva sobre o projeto da reforma foi dada por técnicos de segundo escalão do Ministério da Economia, sobre a qual a parte mais marcante foi a voz infantil de um dos secretários. O ministro Paulo Guedes, que deveria estar dando oito entrevistas por dia esclarecendo pontos da reforma, deu uma única entrevista para a TV Brasil, que tem menos de 1 ponto de audiência. Para comparar: na defesa da sua reforma, Michel Temer e Henrique Meirelles passaram dias em programas populares como Silvio Santos e Ratinho.
O governo JB anunciou um orçamento de R$45 milhões em campanha publicitária pró-reforma em rádio e TV, valor que equivale a um mês do orçamento de um banco como Itaú ou Bradesco. As primeiras peças são burocráticas. Dinheiro jogado fora.
Vácuo nas redes sociais
Nas redes sociais, onde JB deveria dominar, no entanto é que a indolência bolsonarista é mais evidente. Veja o exemplo do economista Paulo Tafner, do IPEA, um dos maiores especialistas em previdência e autor do estudo que inspirou parcialmente a reforma da equipe de Guedes. Em uma entrevista à Globonews, Tafner em um ato falho disse que “as nossas regras são tão injustas que empregada doméstica se aposenta 10 anos antes da patroa e há gente que defende que isso é razoável”. Militantes antirreforma ficaram em êxtase. Trecho do vídeo foi distribuído por todo o país como se fosse a confirmação do elitismo da proposta da PEC da Reforma.
Era um ato falho. A intenção de Tafner era dizer exatamente o oposto, ressaltar a injustiça da patroa se aposentar por tempo de contribuição mais cedo do que a empregada, que por circunstâncias acaba só conseguindo sua pensão por idade. Tafner gravou um novo vídeo para a Globonews se corrigindo. Você recebeu um WhatsApp com o novo vídeo? Nem eu.
Pressionado pelos líderes dos partidos, Bolsonaro prometeu que depois do Carnaval usará suas páginas no Facebook para defender a reforma. “Foi um erro não ter se preparado para a guerrilha de informações sobre reforma. Para quem conhece tanto da comunicação nas redes parece um erro primário”, disse Rodrigo Maia.
Reforma precisa do empenho do presidente
O desinteresse de Bolsonaro e de seus seguidores tem um motivo simples. Eles não acreditam na reforma, O presidente aceitou a reforma como parte do pacote para ter Paulo Guedes ao seu lado durante a campanha. Na vida real, sempre votou a favor dos privilégios dos servidores.
A imensa maioria dos bolsonaristas não aderiu ao presidente por sua agenda econômica. Bradam por uma política de segurança mais dura, o aniquilamento do PT e a redução dos direitos das minorias. A campanha bolsonarista nunca foi por geração de emprego, mas por uma mudança cultural no País. Fazer essa massa aderir a uma reforma econômica impopular será um trabalho muito difícil. Com o pouco empenho do presidente, impossível.
Na sexta-feira, o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, declarou ao jornal Valor que Bolsonaro irá se empenhar na reforma da previdência , assim como transformou “55 milhões de brasileiros em marqueteiros” durante a campanha. “Não tem jeito, ele é o único responsável por tudo. Como a gente diz, militarmente, por tudo o que aconteça ou deixe de acontecer. Essa é a responsabilidade dele, esse é o preço (de ser presidente)”.
Até agora, JB desperdiçou popularidade demonstrando comandar um governo disfuncional. A se ver se vai gastar a base que tem defendendo uma reforma impopular.
Foto: Rafael Carvalho/Presidência da República