O presidente Jair Bolsonaro cruzou a rua para pisar em uma banana com a eventual nomeação do seu filho mais novo, Eduardo Bolsonaro, como embaixador do Brasil em Washington. Além da óbvia inadequação do deputado federal para o cargo, a nomeação tem implicações políticas e diplomáticas com potenciais sérios para o governo.
Vamos por partes:
O primeiro ponto é o efeito devastador da nomeação na imagem moral do presidente. Para quem votou em um candidato que se dizia contra a velha política, o compadrio e os arranjos, a indicação de um filho para um cargo tão importante é inaceitável.
Justificativas
O efeito nas redes sociais foi tão ruim que Bolsonaro fez duas transmissões ao vivo pelo Facebook na semana passada, na quinta, dia 11, e na sexta, 12. Em geral, ele só faz um bate-papo. Na segunda apresentação, já ciente da reação negativa de seu eleitorado, Bolsonaro ficou se explicando:
“Algumas pessoas dizem que é nepotismo, mas é algo para o Supremo decidir. Isso não é nepotismo, eu jamais faria isso”.
“Quando ele (Eduardo) viaja para o mundo todo, fala inglês fluentemente, fala espanhol, já foi a vários países da Europa, conhece a família do Donald Trump, tem liberdade e amizade com seus filhos, não é um aventureiro. Acabou de casar, inclusive”. Ao lado do presidente na transmissão pela internet, o pastor Valdomiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, foi solidário: “eu também indicaria minhas filhas”.
Bolsonaro firmou ainda que seu subordinado, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, apoia a possibilidade da nomeação. “Não porque é meu filho. É porque ele conhece o Eduardo”, disse.
Nem no episódio Queiroz, Bolsonaro se preocupou tanto em dar sua versão dos fatos.
Nas mãos do Senado
O segundo ponto é mais grave. JB colocou todo o seu prestígio na dependência do Senado. Se os senadores recusarem a indicação de Eduardo será uma derrota histórica de Bolsonaro, que pode comprometer todo o mandato. Assim como dependeu de Rodrigo Maia no primeiro semestre, agora JB depende de Davi Alcolumbre.
O trâmite da nomeação de embaixadores se inicia com uma burocracia, a leitura de seus nomes pelo presidente do Senado. Pois bem, Alcolumbre que assumiu apenas em fevereiro sentou sobre a nomeação de 18 embaixadores.
Três diplomatas já foram sabatinados e aprovados pela Comissão de Relações Exteriores, mas Alcolumbre não agendou a votação pelo plenário do Senado de: Pedro Fernando Brêtas Bastos, indicado para a Missão junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); Henrique da Silveira Sardinha Pinto, para a embaixada no Vaticano; e Hélio Vitor Ramos, escolhido para a representação em Roma.
Outros quinze embaixadores ainda sequer tiveram seus nomes lidos por Alcolumbre em plenário, ou seja os seus processos sequer começaram: os representantes para as missões junto à ONU e à Unesco e para as embaixadas em Assunção, Cairo (representado os interesses brasileiros no Egito e Eritreia), Nassau, Doha, Amã, Atenas, Rabat, Sófia (Bulgária + Macedônia), Georgetown, Bucareste, Budapeste, Paris e Lisboa.
O capitão, portanto, terá de sentar para negociar com Alcolumbre apenas para que essa fila ande.
Pedras no caminho
Deve-se ressaltar que uma rejeição é improvável. Em toda a história, o Senado só recusou um indicado, o diplomata Guilherme Aguiar Patriota para o cargo de representante do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos (OEA). Era maio de 2015, e o barco do governo Dilma Rousseff já fazia água. Irmão do embaixador Antonio Patriota, Guilherme teve 36 votos favoráveis e 37 contrários. São necessários 41 votos.
Mas existem pedras no caminho dos Bolsonaros. Depois da leitura do nome em plenário, a Comissão de Relações Exteriores tem três semanas para analisar o indicado, incluindo uma sabatina sobre seus conhecimentos para o cargo. Entre os membros titulares da comissão estão cascas-grossas como Kátia Abreu, Randolfe Rodrigues, Jarbas Vasconcelos e Jacques Wagner. Entre os suplentes, Renan Calheiros. Pode-se aguardar momentos tensos para o filho presidencial.
Aprovação demandará esforço
A votação dos 18 membros da Comissão de Relações Exteriores é secreta.
Só então ocorre a votação no Plenário. Até o momento, o governo Bolsonaro não teve nenhuma vitória importante entre os senadores. Levantamento com as principais casas de análise de risco político feito em junho pelo Infomoney mostrou que o governo Bolsonaro tem o apoio certo de apenas 20 senadores e a oposição de 22. Trinta e nove senadores foram qualificados de independentes.
Ou seja, a base bolsonarista no Senado despenderá um esforço razoável apenas para aprovar o nome de Eduardo Bolsonaro, sem contar o desgaste com os discursos sobre o despreparo do filho 03. A votação no Senado também é secreta.
O presidente Bolsonaro entrou numa guerra que não pode perder. Seus adversários sabem disso. Não vão derrota-lo, mas o farão sofrer. Com a reforma da previdência tramitando no Senado, o encaminhamento da nomeação de Eduardo para a embaixada, a CPI das Fake News e a ameaça de investigação sobre Flavio Bolsonaro, Davi Alcolumbre será uma das pessoas mais poderosas do Brasil nos próximos meses.
Indicação política
Eduardo Bolsonaro não é o primeiro, nem será o último indicado político para uma embaixada brasileira. A própria embaixada em Washington foi dirigida pelo advogado e político Oswaldo Aranha, no governo Vargas, o banqueiro Walther Moreira Salles, no governo Kubistchek, e o ex-governador da Bahia Juracy Magalhães, no governo Castello Branco. JK usou a embaixada de Londres para agradar o barão da mídia Assis Chateubriand. Para se livrar de Delfim Netto, Ernesto Geisel o nomeou cônsul em Paris.
DC é considerado o posto mais alto da diplomacia brasileira. O pai da historiografia brasileira, Joaquim Nabuco, foi embaixador no início do século 20. Da embaixada saíram quatro ministros da Fazenda: Walther Moreira Salles (nos governos parlamentaristas de Tancredo Neves e Brochado da Rocha, sob Jango), Roberto Campos (Castello Branco), Marcílio Marques Moreira (Collor) e Rubens Ricúpero (Itamar)
Pontos positivos
Há pontos positivos na indicação de Eduardo Bolsonaro como embaixador? É obvio que nenhum outro diplomata terá tanta autonomia. Bolsonaro tem de fato uma relação direta com a Casa Branca e o Departamento de Estado e depois da quase nomeação de Ivanka Trump para a ONU ou o Banco Mundial, o nepotismo é o novo normal.
De Washington, Eduardo não irá apenas comandar as relações com os Estados Unidos (incluindo as negociações de acordos comerciais), como também as representações da OEA e ONU. Sua principal missão será assumir o rosto do Brasil para a mídia americana, enfrentando os ataques dos democratas, ambientalistas, ativistas de minorias e ressaltando o caráter pró-americano da gestão JB.
A sua ligação com Steve Bannon lhe trará mais percalços que sorrisos em DC.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil