Bastaram vinte minutos. Sem avisar o ministro Paulo Guedes, que estava em Washington para reunião no FMI, o presidente Jair Bolsonaro decidiu intervir na política de preços da Petrobras, reviver o pesadelo do intervencionismo e acabar de vez com as últimas ilusões de que o capitão do Exército havia se convertido ao liberalismo. O resultado foi uma queda de 8,5% nas ações da Petrobras, 5,2% na Eletrobras e 3,17% no BB – as três principais estatais no Ibovespa. As ações da petroleira negociadas em Nova York fecharam com recuo de 9,29%. Foram as maiores quedas das ações da Petrobras desde maio de 2018 quando, pressionado pela greve dos caminhoneiros, o presidente Temer impôs um tabelamento de preço do diesel e Pedro Parente deixou a companhia. Foi uma demonstração de irresponsabilidade incomum até mesmo para um Bolsonaro.
De acordo com relato da agência Bloomberg, o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, soube que a Petrobras iria reajustar os preços do diesel em 5,7% na quinta-feira, 11, às 18h30. Ele telefonou ao ministro das Minas e Energia, almirante Beto Albuquerque, que pediu para conversar no dia seguinte. Insatisfeito com a explicação, Onyx Lorenzoni desceu até o terceiro andar do Palácio do Planalto e falou com o presidente, que havia recém-terminado uma transmissão no Facebook para comemorar seus 100 dias de governo.
Lorenzoni argumentou que a alta do diesel teria um efeito imediato entre os caminhoneiros, categoria que apoiou integralmente Bolsonaro. A greve de 2018, que provocou uma queda de um ponto percentual no PIB com um locaute, sempre foi considerada um ponto de inflexão a favor da campanha do capitão.
Decisão não incluiu ministro da Economia
Em vinte minutos de conversa, Bolsonaro estava convencido. Ele telefonou para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, e ordenou a revogação do reajuste. Eles marcaram uma reunião para a terça-feira, 16, entre o presidente e os diretores da Petrobras para que fosse explicada a metodologia de reajustes da companhia. Só depois da decisão tomada é que Guedes foi informado.
A TV Globo informou a decisão às 22h35 de quinta, com a afirmação de Onyx Lorenzoni de que o reajuste daria “um solavanco” na economia. Graças aos aumentos dos combustíveis, do tomate e do feijão, a inflação de março fechou em 0,75%, a maior alta mensal desde 2015.
Às 8h14 de sexta-feira, 12, a Petrobras divulgou nota afirmando que “revisou a sua posição de hedge e avaliou ao longo do dia, com o fechamento do mercado, que há margem para espaçar mais alguns dias o reajuste do diesel”. Nem os estagiários da bolsa acreditaram. No pré-mercado, antes da abertura do pregão em São Paulo, as ações da Petrobras já caiam 5%. Era só o começo das desventuras em série.
Preocupação com caminhoneiros
Entrevistado ainda pela manhã em Macapá (AP), Bolsonaro parecia não compreender a celeuma. “Eu liguei para o presidente (Castello Branco) sim. Me surpreendi com o reajuste de 5.7%. Não vou ser intervencionista. Não vou praticar a política que fizemos no passado, mas quero os números da Petrobras. A Petrobras terá de me convencer do reajuste de 5,7% se a inflação projetada é de 5%”, disse, revelando que se reuniria na terça-feira com a diretoria da Petrobras. Ficou claro na entrevista qual a prioridade do presidente:
“Estou preocupado com o transporte de cargas, com os caminhoneiros. Os caminhoneiros precisam ser tratados com carinho. Eu quero o preço justo para o diesel”.
Ao meio-dia, com as ações despencando 7%, a diretoria da Petrobras organizou às pressas uma reunião via teleconferência com os membros do Conselho de Administração. O clima foi ruim. Os conselheiros já criticavam a gestão Castello Branco por ter fechado o acordo de cessão onerosa por valor considerado abaixo do esperado. A reunião terminou com garantias da diretoria executiva de que o episódio era passageiro e que a política de preços seria mantida. Em troca, os conselheiros não fariam críticas públicas.
Procurado o dia todo, Paulo Guedes não deu entrevistas. O silêncio daquele que seria o avalista do liberalismo do governo só piorou as coisas. As ações seguiram em queda e contaminaram BB e Eletrobras. Foi falar à noite, com uma tolice: “Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores”, disse o ministro, diante da insistência dos jornalistas. Ele afirmou, no entanto, ser “uma inferência razoável aparentemente” a afirmação de que ele não teria sido informado sobre o caso.
Desconhecimento sobre reajustes
Ao final do dia, o porta-voz presidencial, general Rêgo Barros, disse que reunião do presidente com a Petrobras “caracteriza a necessidade do dirigente do poder executivo de identificar quais os aspectos que levam realmente às decisões que são tão importantes à sociedade”.
O porta-voz não soube explicar como era possível o presidente desconhecer as regras de reajustes de preços da Petrobras. Como até o estagiário da bolsa sabe, uma das promessas da gestão Guedes foi justamente retomar o acompanhamento internacional dos preços dos combustíveis, o que em março, por exemplo, causou aumentos semanais da gasolina. O barril do petróleo no mercado internacional está em alta pelos contínuos cortes de oferta da Opep e as sanções dos Estados Unidos ao Irã e à Venezuela. O aumento nos preços internacionais desde janeiro acumula 20%.
Apenas nesse ano, na gestão Bolsonaro, a Petrobras autorizou 13 variações de preços (três vezes para baixo). O diesel já subiu 18,5% no ano e está no mesmo preço desde 22 de março. Duas semanas atrás, Bolsonaro estava tão preocupado com uma possível reação dos caminhoneiros às seguidas altas, que determinou à Petrobras a criação de um cartão para compras antecipadas de diesel e um calendário de reajustes quinzenais. Ele também anunciou em uma de suas transmissões pelo Facebook que iria retirar radares nas estradas federais, velha reivindicação dos caminhoneiros.
Pelo menos desde o início de março, a Abin tem entregues relatórios diários sobre a organização dos caminhoneiros. Ou seja, o presidente estava acompanhando a evolução dos preços dos combustíveis, tinha informações sigilosas sobre a possibilidade de um novo locaute e, mesmo assim, considerou que não deveria informar seu ministro da Economia.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil