24 de novembro de 2024
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Os 580 dias de prisão tiraram do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a sua maior qualidade, a capacidade de conexão com os sentimentos da população. Como qualquer preso, Lula estava numa bolha. Ao longo dos 19 meses, o contato de Lula com o exterior era feito por dirigentes do PT, advogados, policiais, clipping montado pela assessoria, noticiário da TV aberta e a comovente saudação todo dia às 7h do acampamento sem-terra. Como seria de se esperar, ele recebeu uma visão unilateral de como o país mudou enquanto esteve preso.

Solto, Lula deu três entrevistas, foi a duas reuniões partidárias e a um show comício. Errou feio ao descartar a autocrítica do PT, demonstrou arrogância ao descartar alternativas fora do partido e construiu com habilidade a narrativa de que é o único capaz de polarizar com Bolsonaro. Mas a desconexão com a realidade é clara.

Como estava na prisão ao longo desses onze meses de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, Lula não teve a experiência nem um briefing honesto dos assessores para compreender a nova correlação de forças de 2019.

Por diversas vezes em entrevistas na sede da PF, Lula confundia Bolsonaro com Fernando Collor, como se o novo presidente fosse um genérico do seu adversário de 1989. Não entendeu que em menos de um ano Bolsonaro conseguiu capturar um poder que o PT não conseguiu em 13 anos.

Órgão de controle mais agressivo, a Procuradoria Geral da República aceitou sem um pio a nomeação de um chefe que se recusou a participar da eleição interna. A cúpula da Receita Federal foi demitida sem um protesto corporativo. O superintendente da Polícia Federal precisou de uma humilhante intervenção do ministro Sergio Moro para não ser defenestrado. O próprio Moro, o brasileiro mais popular desde 2015, sobrevive no cargo depois de rebaixado à posição de bajulador do presidente. Os generais do Exército, muitos dos quais iniciaram o ano supondo representar o novo Poder Moderador, foram enquadrados na linha de comando. Em estado de falência, parte preponderante da mídia tenta por todos os meios aderir ao governo. O querosene das redes sociais acabou. As ruas estão vazias.

Lula, que chegou a ter 80% de aprovação nacional, nunca esteve perto de ter tanto poder.

Collor e o antipetismo

Embora eleito em boa medida pelo medo do que Lula faria na presidência, Collor não dominava uma massa de seguidores. Ele era um instrumento do antipetismo, não o seu líder – como é o caso do atual presidente. Bolsonaro não apenas incorpora a figura do último obstáculo para impedir a volta do PT. Ele avança e incorpora ao discurso da sua tropa antiesquerdista novos elementos, como a desconsideração pelos pesos e contrapesos representados pelo Supremo, Congresso e imprensa, um conservadorismo moral e religioso pré-Vaticano II e um visão onírica sobre o Regime Militar.

Sem entender a nova correlação de forças, Lula ou qualquer outro eventual candidato da oposição irá falar apenas para os seus. O discurso Zé-com-Zé, como se diz na política. Para avançar sobre os que votaram em Bolsonaro e hoje estão arrependidos em medidas variadas é preciso entender as expectativas desses eleitores e o poder que o presidente tem para controlar as atenções dos brasileiros. Nesses onze meses, o País parou para discutir tuítes, tentar entender discursos, acompanhar as paranoias e decifrar para onde o presidente ruma. Quando foi preso, Lula era havia trinta anos o centro da política, em torno da qual tudo girava. E foi solto quando o polo magnético não é mais ele, mas Bolsonaro.

Foto: Paulo Whitaker/Reuters

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