A queda abrupta de popularidade do presidente Jair Bolsonaro é um dos fenômenos políticos do ano. Eleito com 58% dos votos, com 65% de ótimo e bom na posse, Bolsonaro encolheu na presidência. Hoje lhe restou o apoio de um terço dos eleitores, o suficiente para impedir um processo de impeachment, mas um claro limitador das suas ambições autoritárias. Há um consenso entre os analistas (incluindo este Report) de que Bolsonaro perdeu popularidade pela forma errática de seu governo, o desagrado com a política de confronto contínuo e a falta de resultados práticos para a recuperação da economia.
Hoje este Report joga a luz sobre um outro fator que está desiludindo os eleitores de Bolsonaro, a falta de radicalismo. É isso mesmo, para muitos eleitores o presidente Jair Bolsonaro está moderado demais.
Ao longo da campanha, Bolsonaro cultivou a imagem do “mito que iria mudar-isso-que-está-aí”. O atentado Bolsonaro fortaleceu a imagem de “Messias” (o segundo nome de Bolsonaro). Na campanha, o capitão falou em “matar a petezada”, “acabar com os direitos humanos” e “tornar o Brasil um país onde Deus é o senhor”. Bolsonaro estava tão acima de tudo que até os seus ministros eram “super”. Seria um governo diferente de tudo o que jamais se viu. Muita gente acreditou.
Uma vez no Palácio do Planalto, Bolsonaro foi forçado pelas circunstâncias a moderar. Todas as barbaridades que o capitão diz são condenáveis, mas por enquanto o seu ímpeto autoritário está limitado às ameaças à mídia. O Congresso e toda a Velha Política que muitos bolsonaristas sonhavam ver na cadeia segue funcionando. Cadê o Bolsonaro que com um soldado e um cabo fecharia o STF? O Supremo não apenas está aberto, como soltou o inimigo número 1, Lula. A TV Globo ainda funciona.
A economia segue andando de lado e o otimismo do mercado financeiro não paga boletos. A sensação de insegurança nas ruas segue a mesma, apesar de Bolsonaro propagar números pontuais de queda na criminalidade. A realidade mostrou que o homem que iria pôr ordem no país não consegue pôr ordem nos seus filhos.
São pessoas com pressa. Não querem explicações de que a retomada da economia “é um processo” e que as mudanças precisam ser feitas obedecendo a Constituição. Bolsonaro prometeu um milagre e eles acreditaram.
Expectativa versus realidade
É irônico, mas a expectativa gerada por Bolsonaro só se compara com a de Lula em 2002. No imaginário popular, ambos seriam “homens do povo” que chegaram ao centro do poder. Assim como Lula posteriormente, Bolsonaro paga o preço das expectativas do cidadão comum. E elas nunca serão cumpridas.
Essa sensação de traição é notável em grupos mais extremistas. Na semana anterior, familiares de militares passaram a gritar “Bolsonaro traidor” quando o governo tratorou as reivindicações para estender a eles os privilégios concedidos aos oficiais no projeto de reforma das pensões militares. “Ele nunca mais vai ter um voto meu, nem o filho dele”, disse uma militar, chorando, na Câmara dos Deputados, onde o projeto foi votado. “Bolsonaro, você e seus filhos nunca mais terão votos da família militar”, disse outra. Na semana passada, prefeitos de cidades pequenas ameaçadas de extinção pelo pacote de Paulo Guedes também usaram “traidor” para se referir ao capitão.
Na semana passada, um card foi distribuído pelas correntes bolsonaristas a milhões de contas de WhastApp mostrando o presidente e sua mulher Michelle ajoelhados. O card pede que todos orem pelo presidente que está “sendo vítima de macumba”. Soa como uma justificativa aos poucos resultados do governo.
A soltura de Lula poderá fazer com que esses desiludidos retornem ao rebanho. Mas a mágoa está posta. Há um espaço para candidaturas de direita que assumam esse conservadorismo, como o governador do Rio, Wilson Witzel, e seu discurso policialesco. O mito não é mais intocável.
Foto: Divulgação – ADPF