A soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva muda o cenário político. No longo prazo, Lula deve organizar em torno de si a oposição ao governo Bolsonaro. No curto, os efeitos serão concentrados no PT e na disputa pelo eleitorado da esquerda. As consequências da presença de Lula no cenário nacional serão decorrentes do seu sucesso ou fracasso em reassumir o papel de líder da esquerda. Para 2020, o mais importante para Lula é isolar Ciro Gomes. Enfrentar Bolsonaro é tarefa para depois.
Ao longo dos 580 dias de Lula preso, o PT ficou acuado. O partido teve o pior resultado eleitoral em vinte anos e virou uma legenda nordestina. Foi estraçalhado onde era forte, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, e perdeu o rumo em São Paulo e na região Sul. Pós-eleição, passou a sofrer assédio público de Ciro Gomes. A bancada na Câmara (56 deputados) e no Senado (6 senadores) teve um ano apagado nos debates no Congresso. Com a exceção do P-Sol, aliados tradicionais do PT se recusaram a levar o Lula Livre como bandeira. Desde os anos 80, o partido nunca esteve tão isolado.
Discurso
A prioridade imediata de Lula será reconstruir alianças tradicionais com os partidos de esquerda e isolar Ciro. Por isso, é mais provável termos nos próximos meses um Lula à esquerda, com um discurso duro contra a Lava Jato, a mídia e parte do empresariado. Os temas serão a desigualdade, o desemprego e a falta de crescimento econômico. O Lulinha Paz e Amor vai ressurgir apenas em 2022.
O ex-presidente vai conduzir pessoalmente as negociações sobre o apoio do PT nas eleições de capitais onde o partido tem poucas chances – como Porto Alegre (com eventual apoio à Manuela D’Ávilla, do PCdoB), Rio de Janeiro (Marcelo Freixo, P-Sol) e Recife (João Campos, PSB). Lula será ubíquo na campanha de TV das eleições municipais.
É improvável que a soltura de Lula seja acompanhada de grandes manifestações populares. Lógico que haverá comícios, como os de sábado em São Bernardo do Campo, mas a história recente sugere cautela nas previsões sobre o poder de mobilização do PT. As caravanas que Lula promoveu em 2018 foram fracasso de público e a sua prisão teve protestos ralos. Por fim, as finanças do PT estão combalidas e o espaço das TVs abertas para os discursos de Lula será perto de zero.
Eleições 2022
Só que Lula tem uma ligação real com a população e será um protagonista em 2022, assim como foi de dentro da cadeia em 2018. E tudo indica, o ressurgimento de Lula como líder da esquerda terá a ajuda do presidente Jair Bolsonaro. Um petismo fraco deixaria eleitores bolsonaristas mais confortáveis para votar em candidatos de centro.
Nada mobiliza tantos os bolsonaristas quando o combate a Lula e ao PT. Ao trazer Lula como seu contendor preferencial, o presidente Bolsonaro dialoga com um amplo espectro do eleitorado, da extrema-direita à centro-esquerda. Parte considerável desse eleitorado se desapontou com o governo e hoje flerta com alternativas nem-Bolsonaro-nem-PT. Ao ressuscitar o discurso de ser o único capaz de impedir a “volta do PT”, porém, Bolsonaro poderá reconquistar parte desses desiludidos. É possível que até 2022 o antipetismo não seja uma força tão desestabilizadora da política como foi nos últimos anos, mas por enquanto o discurso tem aderência.
Foto: Ricardo Stuckert/PT