No princípio, foi o vídeo. E ele se fez viral. No Twitter, o perfil do presidente mostrava um Jair Bolsonaro leão solitário atacado por hienas que representariam o Supremo Tribunal Federal, os partidos políticos e os veículos de mídia. Depois veio a transmissão ao vivo no Facebook, onde um presidente transtornado ameaçava cassar a concessão da TV Globo. Em seguida, o filho Eduardo Bolsonaro deu entrevista a um canal do Youtube defendendo a edição do AI-5 caso se repetissem no Brasil protestos como os do Chile. Eduardo ainda confirmou sua defesa do autoritarismo em um vídeo editado profissionalmente para o Facebook. Quando a repercussão era demais, ele admitiu que “talvez tenha sido infeliz na declaração”. Por fim, em entrevista a um programa policial na TV, Jair Bolsonaro anunciou que ordenou o cancelamento das assinaturas da Folha de S. Paulo no governo e ameaçou os anunciantes privados do jornal.
Os Bolsonaros magnetizam a opinião pública. Tudo é sobre eles, suas opiniões, suas intenções, suas paranoias. Nem no auge da popularidade de Lula se viu algo similar. O domínio dos Bolsonaros na política está criando um novo marco, onde Bolsonaro é eixo divisor, não mais o PT como nos últimos trinta anos.
É ingenuidade supor que os Bolsonaros lançam essas declarações por ignorância, desleixo ou que suas frases são descontextualizadas pela mídia. Há um método. Os Bolsonaros vão testando a adesão às ideias autoritárias junto ao seu eleitorado, os limites de até onde podem junto ao Supremo e Congresso, a reação do mercado e do empresariado. Principalmente, eles acuam a oposição, que fica sem tempo para se contrapor ao governo, apenas reagindo às barbaridades da família. Os Bolsonaros testam e depois da confusão instalada, recuam com o pretexto de que foram mal interpretados. Mas a mensagem está dada.
A pressão financeira sobre os anunciantes da mídia
Há poucas dúvidas de que os compromissos democráticos dos Bolsonaros vão até a página 3, ou seja até onde eles se mantenham no poder. Os Bolsonaros não convivem bem com a divergência e a pluralidade, mas isso não é realmente novidade. A questão é, os Bolsonaros têm a capacidade para articular algum retrocesso democrático no Brasil? A resposta mais honesta é “hoje não”. Isso pode mudar com o tempo.
Os Bolsonaros têm feitos seguidas estocadas contra a democracia, mas o apoio as suas ideias têm se restringido aos quadros mais desequilibrados ou sabujos do bolsonarismo. Nesta semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi duro na reação:
“Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes e têm de ser repelidas com toda a indignação pelas instituições brasileiras”, afirmou em nota. “A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras.”
Maia foi acompanhado pelo presidente do Senado e líderes de todos os partidos, incluindo o PSL. Os três ministros veteranos do Supremo – Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes – vociferam contra o filho do presidente. É digno de nota, no entanto, os silêncios do presidente do STF, Dias Toffoli, do procurador geral Augusto Aras e do ministro da Justiça, Sergio Moro. A bem da verdade, generais fizeram chegar à mídia off-the-record o seu descontentamento com as declarações de Eduardo Bolsonaro.
Como em outras ocasiões, os Bolsonaros jogarão para esquecer o caso até a próxima necessidade, que pode ser a eventual soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora o PT esteja desorganizado e os movimentos sindicais falidos, a fixação do bolsonarismo com Lula é patológica. Nem os petistas superestimam tanto o poder de Lula de coordenar a oposição quanto os bolsonaristas.
Nos episódios dessa semana, as mensagens são claras: os Bolsonaros vão prosseguir circunscrevendo a mídia como inimiga, notadamente o Grupo Globo e a Folha de S. Paulo. Deve-se levar a sério as pressões do presidente para que grandes corporações deixem de publicar seus anúncios nos dois veículos, assim como cancelem o patrocínio a filmes, peças e exposições que firam a sensibilidade bolsonarista. A tática deverá ser financeira e não legal.
Foto: Rafael Carvalho/Equipe de Transição