Lula se tornou um problema grande demais para a Justiça lidar. Na quinta-feira, os ministros do Supremo julgaram um recurso sobre uma condenada da Operação Lava Jato cuja defesa não teve acesso à íntegra das delações antes de montar suas alegações finais. Era uma decisão razoavelmente simples, afinal in dubio pro reu, mas os ministros votaram sob ataques de comentaristas de TV, parlamentares do PSL e militantes digitais de que estavam “anulando a Lava Jato” e “abrindo brecha para a soltura de Lula”. É que a jornalista Natuza Neri chamou de “lulanização da Justiça”.
Com a vitória da obviedade de que a defesa deveria falar por último, os ministros do STF passaram a discutir internamente como modular a sentença de forma a não favorecer o ex-presidente, preso há mais de 500 dias em uma sala de 15 metros quadrados na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Na sexta-feira, 27, adiantando ao julgamento de um pedido da defesa de Lula de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, os procuradores da Força Tarefa da Operação Lava Jato assinaram ofício concordando que o ex-presidente tenha direito ao regime semiaberto no processo da condenação do apartamento do Guarujá.
A medida formal é uma tentativa da Lava Jato de reduzir a pressão depois de meses de derrotas políticas e midiáticas. É fato que Lula já cumpriu um sexto da pena e teria direito automático à progressão em outubro, mas os procuradores de Curitiba se anteciparam para a soltura não parecer nova derrota.
Se transferido, Lula deve ficar detido na sua casa em São Bernardo do Campo até o julgamento da sua segunda condenação, sobre as obras pagas por empreiteiras no sítio em Atibaia. Este recurso no Tribunal Regional Federal em Porto Alegre deve ser julgado entre novembro e dezembro.
O irônico é que Lula, neste momento, preferia ficar preso em Curitiba. Por quê? Porque as revelações do site The Intercept sobre o conluio entre Sergio Moro e os procuradores reforçou a aura de perseguido político. Ninguém mais hoje discute as provas obtidas contra Lula nas investigações, apenas como Moro, Deltan e companhia ultrapassaram os limites legais no processo de investigação.
Essa vitimização transformou o Lulinha Paz e Amor que venceu as eleições de 2002, em um político mais estreito, menos aberto ao diálogo com adversários. Ao repórter Renato Rovai, da revista Fórum, Lula falou sobre a ausência do PT no lançamento do movimento Direitos Já, ensaio de uma frente ampla contra Bolsonaro. O PT não participou depois que os demais partidos vetaram o slogan Lula Livre como um dos eixos do movimento:
“É engraçado porque há uma tentativa de culpar o PT. ‘Não, porque o PT não dá a mão para ninguém’, ‘porque o PT não foi no Fórum…’ A pergunta que eu faço é a seguinte: Em política vale muita coisa, mas o que não vale nunca é canalhice, nem hipocrisia. O que é que o PT teria que fazer numa frente? A Gleisi (Gleisi Hoffmann, presidente do PT) esteve comigo antes do encontro Direitos Já. Eu sugeri: “Você deve ir, leve o Aloizio Mercadante, leve o Haddad, convide o Boulos para ir e leve a Dilma. Para perguntar para aquelas pessoas que estão lá se a briga por direitos pressupõe discutir o impeachment da Dilma? Porque não dá para você ficar achando que é o PT que não quer participar. A gente tem que perguntar se o cara enforcou a minha mulher, se o cara esquartejou, o cara afogou e no dia seguinte o cara me chama para uma conversa para dizer esquece tudo, aqui não tem nada, foi passado, vamos tocar a vida. Não. O PT não vai aceitar isso. Não dá para você construir uma frente ampla, não dá para defender direitos com quem tirou os direitos. Com quem fez o impeachment”. Na mesma entrevista, Lula descartou Ciro Gomes com um peteleco, “ele é politicamente confuso”.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil