23 de novembro de 2024
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O tumultuado início do governo Bolsonaro está levando os dois principais partidos de oposição, PT e PDT, a uma posição de trincheira. Ainda com 54 deputados e quatro governadores, o PT voltou a monocórdia do movimento “Lula Livre” depois que o site The Intercept revelou as constrangedoras conversas do ex-juiz Sergio Moro e a turma da Lava Jato. Já a cúpula do PDT reagiu à dissidência de Tabata Amaral e outros sete deputados se posicionando como o grande resistente à reforma da previdência. Os dois partidos falam para os convertidos.

Como de costume, Ciro Gomes é o mais exuberante. Ele afirmou que os governadores do PT e do PCdoB “atuaram pesadamente” em favor da reforma e que a proposta foi aprovada com os votos de muitos dos deputados aliados de governadores. Ele citou como exemplo a bancada baiana, em que 25 dos 39 deputados federais votaram a favor da reforma, sendo 15 deles aliados do governador Rui Costa (PT). No Ceará, onde Ciro é aliado do governador Camilo Santana (PT), foram 11 votos a favor e 11 contra as novas regras nas aposentadorias. “Uma turma do PT fica agredindo a Tabata Amaral e o PDT como se nós fôssemos pouco fiéis à luta do povo, e o PT fosse o perfeito guia genial dos povos que não falha”, ironizou.

“O pedetista mostra que pretende usar esse grupo de infiéis como escada política. Ao tratar o voto a favor da reforma como um comportamento intolerável, Ciro quer amplificar sua própria oposição à reforma e conquistar terreno na esquerda como adversário principal da agenda econômica do atual governo”, escreveu o colunista Bruno Boghossian, da Folha.

É uma guinada. Logo depois da vitória de Bolsonaro, Ciro ensaiou uma neutralidade para se diferenciar do PT. Agora, com a popularidade do presidente em queda, ele tenta se colocar como mais oposicionista que os próprios petistas.

Vazajato

O caso do PT é mais irônico. A lulodependência do partido levou à tática suicida da campanha eleitoral de 2018, mas as seguidas derrotas nos recursos judiciais pareciam gerar um clima de aceitação dos fatos. Grupos no PT começavam a discutir como o partido pretendia sobreviver sem Lula, provavelmente centrando seus esforços em manter a vantagem histórica nos estados do Nordeste.

Até acontecer a Vazajato. A revelação das mensagens trocadas entre Sergio Moro e os procuradores de Curitiba ressuscitou o vitimismo do PT, que enxerga Lula como um cordeiro sacrificado pelas elites e desvia o olhar dos esquemas de corrupção na Petrobras, Eletrobras, etc. A Vazajato certamente coloca em outras perspectivas as decisões de Moro e o ânimo dos procuradores curitibanos, mas não elimina o fato de que um cartel de empreiteiras pagou centenas de milhões de reais em propinas ao PT. Havia uma possibilidade de o PT conseguir planejar seu futuro sem a hipocrisia da perseguição das elites. Agora, o partido voltou a ficar amarrado ao passado, como observou o professor de Relações Internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, em artigo na Global Anticorruption Blog.

Antipetismo

A política é a arte da imprevisibilidade. Como Stuenkel notou em seu artigo, a volta do movimento Lula Livre é positiva para Bolsonaro. O presidente tem sérios problemas administrativos, mas é talentoso no uso do sentimento antipetista que mexe na bílis de milhões de brasileiros. Tudo o que Bolsonaro mais quer é reduzir a oposição ao seu governo a defensores da libertação de Lula, tática que lhe rendeu a vitória histórica em 2018.

O antipetismo segue sendo uma força política considerável no Brasil, embora, tenda a desfalecer com o tempo. Em dois ou três anos será difícil para Bolsonaro culpar o PT por, por exemplo, o desemprego de milhões de trabalhadores, mas hoje esse discurso ainda cola. E ninguém representa tanto o antipetismo quanto o capitão. Pré-candidatos como João Doria, Luciano Huck e João Amôedo desperdiçam o seu tempo ao gastar munição contra o PT.

Apostas para 2022

Ciro, por sua vez, tenta mais reinvenção. Em 1994, ele saiu no tapa contra um militante do PSDB que se opunha à coligação do candidato Fernando Henrique com o PFL. Um ano depois estava rompido com FHC e com o PSDB. Em 2005, rompeu com o PPS para permanecer ao lado de Lula, sonhando em sucedê-lo. Hoje, vocifera contra Lula e Bolsonaro com a mesma virulência.

Ciro aposta em três possibilidades para chegar a uma conclusão imensurável. Ele acredita que a reforma da previdência será extremamente impopular quando seus efeitos forem sentidos, o que é natural. Também aposta que os resultados do governo Bolsonaro na economia real serão pífios e que haverá uma desilusão geral com o governo do capitão, o que é possível. Por fim, Ciro acha que o PT vai desidratar sem o carisma de Lula e que o PT, assim como outros partidos antes dele, vai entrar em decadência. Essas três variáveis, imagina Ciro, o tornariam a opção mais viável da esquerda em 2022. É cedo demais para dizer.

Foto: Marcello Casal Jr./ABr

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