Está se formando um consenso em Brasília, ao mesmo tempo, arriscado e pragmático. O de que o presidente Jair Bolsonaro governa apenas para satisfazer suas convicções pessoais em agenda de Estado e produzir factoides que agradem o seu eleitorado mais radical. Se outras personalidades (os ministros Paulo Guedes, Santos Cruz e Tarcísio Freitas, os presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, alguns ministros do STF) quiserem agir para tentar tirar o País da crise terão que fazê-lo sem contar com o presidente.
Na semana na qual os bancos começaram a trabalhar com um PIB de apenas 0,5%, Bolsonaro se ocupou em lançar um decreto afrouxando as regras de trânsito para privilegiar maus motoristas e permitir transportar bebês fora da cadeirinha. Na primeira visita à Argentina em cinco meses, uma descortesia incomum na diplomacia bilateral das últimas décadas, Bolsonaro inventou a possibilidade de uma moeda comum, uma ideia inexequível, ruim e negada formalmente pelo Banco Central. Na postura de comentarista geral da nação, Bolsonaro defendeu o jogador Neymar das acusações de estupro e condenou a possibilidade de Lula deixar a cadeia.
No mesmo período, o Senado aprovou um projeto de lei reformando o marco do saneamento e a medida provisória do pente fino na previdência, a Câmara aprovou a emenda que muda as tramitações das medidas provisórias e o orçamento impositivo e o Supremo liberou a venda de subsidiárias das estatais.
Brasil paralelo
É como se fossem dois Brasil diferentes. O de Bolsonaro lembra o de Walter Mitty, o personagem da comédia dos anos quarenta na qual Danny Kaye foge da realidade se imaginando personagens de grandes aventuras. Enquanto isso, o Brasil real segue.
Essa conclusão dos agentes políticos de que “Bolsonaro não tem jeito” é perigosa. Foi o capitão que recebeu quase 58 milhões de votos e ainda é o fiel depositário da confiança de um terço da sociedade.
Mas este Report não quer julgar, apenas constata que algumas das principais personalidades passaram a agir como se o presidente não importasse. Na segunda-feira, 3, em entrevista aos jornais O Globo e Estadão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi no fígado do presidente:
“Quando a popularidade do presidente cai, a confiança dos investidores em aplicar os seus recursos no Brasil também cai. Se você olhar os números da economia, vai ver dados desastrosos. Não é bom que ele já́ esteja em algumas pesquisas com 25% de ótimo e bom, que entre os formadores de opinião no mercado financeiro tenha caído de 80% para 14%. Vai ver o que está acontecendo com a construção civil. Pararam o Minha Casa Minha Vida, e isso é muito grave”.
“Aí o ministro Weintraub (da Educação) faz um vídeo no qual ataca a bancada do Rio (por supostamente não ter enviado emendas para o Museu Nacional). Agora, tem rebelião na bancada do Rio. Boa parte vai votar a Previdência com o governo. Atacar a bancada porque botou uma emenda para o museu e a emenda foi contingenciada? Onde estamos”?
“Estamos caminhando de forma muito rápida para um colapso social”.
“Está faltando uma agenda para o Brasil. A Previdência não é uma agenda, é uma reforma racional e necessária para equilibrar as contas públicas. Ela não resolve qualidade na educação, médico no hospital, produtividade no setor público ou privado, crescimento econômico ou desemprego. O que precisamos é uma agenda para o Brasil. Previdência é uma necessidade. Agenda para o Brasil a gente ainda não viu formatada de forma ampla, completa, por esse governo”.
Foto: Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil