22 de novembro de 2024
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O presidente Jair Bolsonaro tem lado. O lado dele é o da massa de radicais das redes sociais e das manifestações de aeroportos que estão ao seu lado desde o dia zero da campanha eleitoral, ainda em 2015. Essa turba foi organizada a partir dos vídeos, dos memes e dos posts feitos pela equipe do vereador Carlos Bolsonaro, baseado em um discurso de ódio aos políticos em geral e aos petistas em particular, de endurecimento no combate à criminalidade e de desprezo ao establishment. Com o tempo, Bolsonaro montou alianças com os evangélicos, o mercado financeiro, os ruralistas, os militares e os procuradores da Lava Jato. Mas o núcleo do bolsonarismo segue o mesmo.

Ao incentivar os ataques do filho Carlos Bolsonaro e do ideólogo Olavo de Carvalho aos generais Santos Cruz, Hamilton Mourão e Villas-Bôas, Bolsonaro riscou o chão. Sua mensagem foi de que ele não será tutelado pelos generais, como vários deram a entender em conversas com empresários, políticos e jornalistas. Assim, como foi Bolsonaro que permitiu a negociação que retirou o Coaf do ministro Sergio Moro, apesar de o ex-juiz ter arriscado sua credibilidade ao ingressar no governo. O recado é claro: o poder é de Bolsonaro, não dos militares, de Moro ou mesmo de Paulo Guedes.

A irritação do presidente sobre os militares começou com a notória exibição do vice-presidente Hamilton Mourão como seu contraponto. Mourão foi escolhido por Bolsonaro como vice por ser um seguro contra um eventual processo de impeachment, alguém que os políticos teriam medo de repassar o poder. Em questão de semanas, Mourão havia seduzido os jornalistas, políticos e vários empresários como uma versão mais razoável do presidente. Bolsonaro percebeu e registrou também que os seus principais auxiliares militares (os generais Augusto Heleno, Santos Cruz e Fernando Azevedo e Silva) não impediram as manobras de Mourão e, talvez, até concordassem com as ações do vice. Por semanas, o presidente instigou suas guerrilhas digitais a atacarem Mourão, aguardando uma solidariedade dos ministros generais ao que ele considerava uma insubordinação do vice. A neutralidade dos ministros generais foi considerada uma tomada de posição.

O ataque a Santos Cruz foi planejado. Sob a estrutura do ministro de Governo está a Secretaria de Comunicação Social, que mantem contratos de R$ 30 milhões para campanhas de comunicação digital e outros R$ 200 milhões em propaganda. Militar conservador, Santos Cruz não deixou gastar quase nada. O filho Carlos considera a economia do ministro uma forma de boicote ao pai.

Início dos ataques nas redes sociais

Em uma ação coordenada, no dia 5, domingo de manhã,  o apresentador de TV Danilo Gentili fez um tuite distorcendo uma antiga entrevista do ministro Santos Cruz, como se ele estivesse defendendo regulamentar as mídias sociais.

Horas depois, a conta do presidente no Twitter (controlada por Carlos) recomendou “um estágio na Coreia do Norte ou em Cuba” para quem defender regulamentação da mídia. Logo depois, veio o deputado Eduardo Bolsonaro: “Mesmo ao falar de uma fake news contra Bolsonaro sempre defendemos a não regulamentação da internet ou da imprensa”.

Do vereador Carlos Bolsonaro: “A internet ‘livre’ foi o que trouxe Bolsonaro até a Presidência e graças a ela podemos divulgar o trabalho que o governo vem fazendo! Numa democracia, respeitar as liberdades não significa ficar de quatro para a imprensa, mas sempre permitir que exista a liberdade das mídias!”.

Com o auge de Olavo de Carvalho: “Controlar a internet, Santos Cruz? Controlar a sua boca, seu merda”.

Insuflados por Carlos, milhares de bolsominions passaram a atacar Santos Cruz e os militares ao longo da semana.

Santos Cruz teve uma reunião com o presidente ainda no domingo. Saiu menor que entrou. Insuflados por Carlos, milhares de bolsominions passaram a atacar Santos Cruz e os militares ao longo da semana. Na segunda-feira, 6, o general Villas-Bôas fez um post em defesa do ministro Santos Cruz. Respeitado pela tropa e famoso pelo tuíte que pressionou o STF a não permitir a candidatura Lula, Villas-Bôas se imaginava acima da disputa. Erro tático. Foi arrastado para a lama por Olavo de Carvalho. O ideólogo fez o serviço sujo para a primeira família.

Na terça-feira, 7, o presidente almoçou com os ministros militares e os comandantes das Forças no Quartel General do Exército. Era a oportunidade de uma trégua. Não para Bolsonaro. No almoço, foi anunciado que o contingenciamento de verbas do Ministério da Defesa, antes estimado em 21%, agora será de 44%, o equivalente a R$ 5,8 bilhões. Como se sabe, contingenciamentos são retenções de verbas que podem ir e voltar conforme a autorização presidencial.

No dia seguinte, quarta-feira, 9, quando a crise já era o principal tema político do país, Bolsonaro se recusou a atenuar a situação:

“O Olavo é dono do seu nariz. Como eu sou do meu e você é do seu. Então, liberdade de expressão. Eu recebo críticas muito graves todo dia e não reclamo. O pessoal fala muito em engolir sapo. Eu engulo sapo pela fosseta lacrimal [órgão sensorial presente em serpente] e estou quieto aqui, ok?”.

Equilíbrio dinâmico

É uma situação grave, mas não há indicações de um rompimento entre Bolsonaro e os militares. O presidente, por exemplo, entregou a um contra-almirante o controle da Apex, onde ainda se alojam dúzias de seguidores de Olavo de Carvalho. Uma delas, ex-namorada do deputado Eduardo Bolsonaro, denunciou pressão do ministro Santos Cruz para a liberação de verbas para um stand da Apex no Festival de Cinema de Cannes. Os Bolsonaros querem boicotar o festival porque um dos filmes brasileiros será sobre o líder comunista Carlos Marighella. A ex-namorada de Eduardo foi demitida.

Como todos os arranjos envolvendo Bolsonaro este será um equilíbrio dinâmico. O presidente é inseguro sobre a lealdade de seus subordinados e alimenta o medo de que após a aprovação da reforma da previdência se iniciará no Congresso uma tentativa de processo de impeachment. Os resultados econômicos ruins deste início de ano e a queda vertiginosa na popularidade aumentam a paranoia presidencial.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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