O presidente Jair Bolsonaro reestreia no cenário internacional com o encontro de amanhã, terça-feira, com o presidente americano Donald Trump, em Washington. Depois do fracasso no Fórum de Davos, Bolsonaro tem a oportunidade de remodelar a sua imagem internacional, que como ele mesmo reconheceu em café-da-manhã com jornalistas nessa semana “está muito ruim”. “Não sou ditador, homofóbico, racista (como diz a mídia internacional). Se fosse, não seria eleito”, afirmou o presidente, que até agora não recebeu jornalistas estrangeiros para entrevistas.
A viagem a Washington será um recomeço, mas a agenda não promete. Bolsonaro e seus ministros chegaram no domingo e à noite participaram como convidados de honra de um jantar patrocinado pelo marqueteiro Steve Bannon, autoproclamado líder do novo populismo mundial e odiado por nove entre dez republicanos, incluindo a filha e o genro de Trump. No mesmo jantar estava a versão brasileira de Bannon, Olavo Carvalho.
No jantar, de acordo com o Valor Econômico, Bolsonaro soltou a mais completa declaração do seu governo: “ O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”.
Nesta segunda-feira, Bolsonaro se encontra com o ex-secretário do Tesouro, Heny Paulson (aquele que dirigia a economia americano no colapso de 2008), participa de um seminário com empresários na Câmara de Comércio e dá entrevista para a Fox News. Na terça, se encontra com o presidente da OEA, Luis Almagro, tem o encontro oficial com Trump e jantar com líderes religiosos americanos. É deveras difícil montar uma nova imagem partindo desta agenda.
A política externa do candidato Bolsonaro foi calcada em um único eixo, transformar os Estados Unidos no principal parceiro do Brasil. Comercialmente é uma meta impossível, diante das várias restrições às importações agrícolas brasileiras. Mas é possível imaginar uma rápida e sólida parceria militar.
Esses são os temas principais da pauta Trump – JB:
Base Espacial – Já existe um documento aprovado do novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permite o uso comercial pelos Estados Unidos da base espacial de Alcântara, no Maranhão. A base de Alcântara é privilegiada geograficamente para o lançamento de satélites e foguetes, economizando até 30% do combustível em relação à Florida e 10% sobre a Guiana.
No governo FHC, os dois países assinaram acordo similar, cancelado em 2002 depois que a imprensa e o Congresso revelaram detalhes do contrato, como a proibição da entrada de brasileiros na base. Neste primeiro acordo, Alcântara funcionaria como uma base totalmente americana. No governo Lula e Dilma, o Brasil assinou um acordo de cooperação com a Ucrânia para o uso do local como base de lançamento, mas o fracasso foi estrondoso. O Brasil gastou R$ 500 milhões no projeto e a Ucrânia, zero.
O novo acordo, segundo informações da embaixada brasileira em Washington, atende algumas das críticas sobre interferência na soberania brasileira, mantendo as salvaguardas tecnológicas exigidas pelos americanos.
Acordos militares – Na única conversa telefônica entre Trump e JB um dos temas foi a cooperação militar, segundo as transcrições oficiais da Casa Branca. As empresas de Defesa americana têm enorme interesse em entrar no mercado brasileiro, espaço que nos anos PT foi ocupado pela França (acordo do submarino nuclear), Rússia (renovação da frota de defesa área) e Suécia (caças FX). O primeiro passo nesse entendimento foi o apoio do governo JB à venda da Embraer para a Boeing, que fatalmente irá incluir novos acordos no desenvolvimento dos jatos militares Tucano.
Os Estados Unidos devem anunciar que o Brasil é um grande aliado não OTAN (major non-NATO ally), clube que inclui Israel, Japão, Egito, Coreia do Sul, Austrália, Egito, Nova Zelândia, Jordânia, Argentina, Bahrein, Filipinas, Tailândia, Kuwait, Marrocos, Paquistão, Afeganistão e Tunísia. É um título honorífico que permite a empresas brasileiras participarem de licitações junto a consórcios americanos e, em tese, ao compartilhamento de informações entre as Forças Armas dos dois países.
Em encontro com o vice-presidente americano, Mike Pence, logo depois da posse, Bolsonaro admitiu a possibilidade de permitir uma base militar americana no Brasil. Desmentido publicamente pelos generais Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e da Defesa, general Azevedo e Silva, o presidente disse que havia sido “mal interpretado” e a ideia foi engavetada.
Venezuela – Há convergência entre Brasil e EUA no apoio a Juan Guaidó, mas Trump e sua equipe insistem em dizer que “todas as opções estão sobre a mesa”, abrindo a possibilidade de intervenção militar. Se dependesse do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é bem provável que soldados brasileiros estariam hoje na fronteira com a Venezuela ou até mesmo em alguma operação para derrubar o governo Maduro. Foi impedido pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, que descartou a participação brasileira em uma intervenção na Venezuela e assumiu, em entrevista ao Financial Times, contatos com militares venezuelanos para uma saída negociada de Nicolás Maduro.
O protagonismo de Mourão, ex-adido militar em Caracas, é um impeditivo para algum acordo prático entre Bolsonaro e Trump sobre a Venezuela, além da verborragia tradicional.
Economia – Os EUA talvez suspendam o veto que impunham à entrada do Brasil na OCDE, mas este é o único avanço previsto na economia. Os agricultores americanos concorrem com os brasileiros na venda de soja, milho, laranja e etanol.
Na área tecnológica, o governo Trump gostaria de impedir outros países de aceitar a tecnologia 5G da empresa chinesa Huawei, uma disputa que não faz o menor sentido para o Brasil.
A relação entre países depende muito
mais do que seria previsível das relações pessoais entre os chefes de governo.
A mudança no ambiente internacional sobre o regime militar foi dada pelo
governo Carter, com o presidente Ernesto Geisel fechando um acordo nuclear com
a Alemanha e iniciando uma era de estremecimento com os EUA. Com o Brasil sob
ataque especulativo, FHC conseguiu através de Bill Clinton o apoio do tesouro
americano a um acordo com o FMI, que o fundo que não queria fazer. A boa
relação pessoal entre Lula e George W. Bush foi essencial para o mercado ir
devagar com o alarmismo sobre um esquerdista no Palácio do Planalto e até mesmo
a relação Obama Dilma poderia ter dado frutos não fosse o escândalo da
espionagem da NSA sobre a presidente e a Petrobras. Trump e Bolsonaro tendem a
se dar bem, o que pode facilitar investimentos estrangeiros. O drama é que ao
colar sua imagem a Trump, Bolsonaro amplia sobremaneira a sua rejeição entre os
democratas, que controlam a Câmara.
Mais
danoso é a ligação com Steve Bannon, um proscrito até no Departamento de Estado
de Trump. Como disse na edição de hoje a O Globo, Roger Noriega, ex- secretário
adjunto para temas do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado, “suponho
que ele (Bolsonaro) saiba que Bannon entrou em desacordo com a Casa Branca e
com a família do presidente. Obviamente ele é um adulto e pode escolher seus
amigos. Mas eu acho que seria bom passar mais tempo ampliando seu círculo e
encontrando mais aliados, trazendo mais amigos para a causa de uma boa relação
bilateral”.
Foto: Alan Santos / Presidência da República