22 de novembro de 2024
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Há uma tradição em Brasília de que os projetos de lei saem do Planalto com artigos postos para serem mudados ou eliminados pelo Congresso. Esses trechos feitos para não serem aprovados são chamados de “gorduras”, “bodes na sala” ou “bois de piranha”. Ao colocar um bode na sala, o governo assegura o protagonismo aos deputados e senadores sem perder o núcleo da intenção da lei. É também uma forma de desviar a atenção do público para algo acessório do projeto, tirando o foco do que o governo não quer ver mudar.

Há um problema, porém, nessa tática. Quando há um fato (o coletivo de bode) as resistências contra o projeto podem se multiplicar e criar alianças cujo interesse único é derrotar o projeto todo.

Foi assim com a reforma da Previdência proposta por Henrique Meirelles no governo Temer. Ambicioso, o projeto foi sendo desidratado pelos vários grupos de pressão até ser simplificado em apenas dois eixos, a decretação de uma idade mínima para aposentadoria de trabalhadores e servidores e uma regra de transição de vinte anos. Já teria sido um avanço, mas ao final nem isso foi à votação.

Lista de bodes

O projeto de Paulo Guedes pode enfrentar o mesmo destino. A quantidade de bodes no projeto é tão variada que poderá unir procuradores, delegados da polícia federal, professores, trabalhadoras rurais e aposentados que voltaram a trabalhar. Sem entrar no mérito fiscal das medidas, confira quais são os bodes da Reforma Guedes:

BPC – O Benefício de Prestação Continuada (BPC) atende hoje idosos com mais de 65 anos ou deficientes com renda inferior a um quarto do salário mínimo (R$250). Ou seja, estamos falando de miseráveis. Hoje 4,5 milhões de brasileiros recebem esse benefício que equivale a um salário mínimo (=~ R$1.000). O BPC existe para garantir uma renda a brasileiros que não conseguiram acumular nem ao menos os anos mínimos de contribuição exigidos para a aposentadoria por idade.

Pela proposta, o benefício nesse valor só será pago integralmente a partir dos 70 anos. Até lá, poderá requerer, ao completar 60 anos, um auxílio no valor de R$ 400.

Ao reduzir o BPC, o governo avaliza o discurso de que a reforma prejudica os mais pobres e afasta potenciais aliados, especialmente no Nordeste onde vive a maioria dos beneficiados. É uma proposta que dificilmente terá aval do Congresso e só vai atrair desgaste.

Abono Salarial – O texto também endurece regras para o abono salarial, que passa a ser restrito a quem ganha um salário mínimo. Hoje, o limite é de 2 salários mínimos.

É uma luta inglória. Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Henrique Meirelles tentaram reduzir o abono e foram forçados a recuar.

Trabalhadores rurais – A idade de aposentadoria da trabalhadora rural salta de 55 para 60 anos. O tempo mínimo de contribuição à Previdência aumentaria de 15 para 20 anos e para obter a aposentadoria elas terão de pagar uma contribuição mínima de R$ 600 por ano. Atualmente os trabalhadores rurais não contribuem para o regime, bastando apenas comprovar os anos de atividade. Se não pagar a taxa, o trabalhador corre o risco de perder o período na contagem para a aposentadoria.

A bancada ruralista em peso votará contra essa mudança, particularmente a ameaça do trabalhador perder tempo contado para aposentadoria por falta de contribuição. Politicamente inviável.

Tempo de contribuição – A exigência dos 40 anos de contribuição para receber 100% do benefício ignora a enorme parcela dos trabalhadores que entram e saem do desemprego e da formalidade ao longo da vida.

FGTS – Um dos artigos prevê que os empregadores parem de pagar a multa de 40% sobre o FGTS quando o empregado aposentado for demitido. É uma forma de alterar as leis trabalhistas do País pela porta dos fundos, sem nenhum ganho fiscal para o setor público.

Capitalização – O fogo do PT será centrado no artigo 201-A que cria o novo regime de previdência social, baseado na capitalização, de caráter obrigatório para quem aderir. O artigo prevê duas opções para o trabalhador: capitalização ou repartição. Como no primeiro caso a contribuição patronal será menor é verossímil supor que os novos trabalhadores serão forçados à capitalização.

Estados – Os governos estaduais e prefeituras que não cumprirem as regras gerais dos regimes próprios de previdência dos seus servidores (ou seja, não desviam o dinheiro desses fundos para outros fins) não terão direito a transferências voluntárias da União, à concessão de avais e financiamentos dos bancos federais. Hoje dois em cada três Estados interferem ou desviam recursos dos fundos de pensão dos servidores.

Refis – O projeto proíbe que novos programas de renegociação de dívidas federais (os chamados Refis) incluam débitos atrasados com a Previdência. Hoje as dezenas de Refis servem de estímulo para empresas deixarem de pagar a previdência para esperar uma renegociação sem juros e parcelada.

Aposentadorias forçadas – A proposta abre brecha para facilitar uma mudança na composição dos tribunais superiores, defendida fervorosamente por políticos bolsonaristas. Pelo projeto, uma lei complementar irá definir a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos, o que significa que com a maioria simples do Congresso seria possível reduzir de 75 anos para 70 a idade máxima dos ministros do Supremo. A idade máxima foi elevada a 75 anos em 2015 para impedir que a presidente Dilma Rousseff pudesse indicar novos ministros. Pela regra atual, Bolsonaro poderá indicar dois ministros até o fim da gestão. Se o limite for de 70 anos, serão quatro indicações.

Foto: Simon Plestenjak/UOL

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