O assunto mais urgente da economia brasileira não é a reforma da previdência – que no melhor dos casos será votada no segundo semestre – mas a ameaça da General Motors em deixar o país. A companhia, que inaugurou a sua primeira montadora local em 1930 e produz carros no Brasil desde o governo JK, alega como motivo a série de três anos seguidos de prejuízos. As duas fábricas paulistas, em São Caetano do Sul e São José dos Campos, são estruturalmente deficitárias. A GM tem 18% das vendas e lidera o mercado automotivo brasileiro.
Seria uma questão exclusivamente empresarial não fosse o efeito simbólico. No momento em que o ministro Paulo Guedes e o governador João Dória exaltam a imagem de business friendly perder um símbolo da indústria é propaganda ruim. Perder uma empresa que gera 30 mil empregos diretos num momento em que a economia anda de lado seria uma catástrofe. Ao se reunir com os executivos da GM, o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, não enxergou nada disso. “Se precisar fechar [fábrica], fecha”, disse.
GM passa por problemas em outros países
A GM não está blefando. Para este ano, a companhia anunciou o encerramento de cinco fábricas nos EUA e Canadá. Já deixou a Alemanha ao vender a Opel para a Peugeot, com um total de 14 mil dispensas pelo mundo. A operação Brasil/Argentina, a maior depois dos EUA, é a próxima da lista. No ano passado, a GM perdeu R$ 1 bilhão na operação sul-americana. “Não vamos continuar investindo (na América do Sul) para perder dinheiro”, disse a CEO Mary Barra. Os acionistas adoraram o discurso.
A GM está nessa situação por incompetência gerencial. A empresa paralisou seus investimentos no Brasil nos anos da recessão de 2015 e 17. Nesse meio tempo, muitos equipamentos de produção se tornaram obsoletos ou caros demais em relação à concorrência, particularmente nas unidades paulistas. Para voltar a ser lucrativa a empresa precisa modernizar suas fábricas no Brasil a um custo de R$ 2 bilhões apenas neste ano.
Soluções e impasses para manter a montadora
Para permanecer, a GM reivindicou ao governo de São Paulo a antecipação para 2019 de créditos futuros do ICMS. O pedido gera um impasse. A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que uma renúncia fiscal só pode ser concedida com receita compensatória equivalente. Como é impossível antecipar esse crédito à GM sem estender a possibilidade para as demais montadoras, a decisão gera um rombo entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões. É fiscalmente inviável.
A montadora propôs ainda um corte de 10% a 30% no piso salarial para os novos contratados, aumento da jornada de trabalho de 40 para 44 horas semanais com o mesmo salário e redução nos gastos da empresa com plano de saúde. Para os revendedores, a GM pediu redução de 50% nas margens de lucro. Para os fornecedores de autopeças, o pedido de redução de margem é perto disso.
O acordo para a GM permanecer no Brasil é como um zugzwang, uma posição no xadrez onde é sua vez de jogar e todos as opções de lance são ruins. A inteligência é conseguir a jogada menos prejudicial. O que está sendo acordado é a concessão pelo governo de São Paulo dos créditos tributários já previstos (R$ 400 milhões apenas neste ano) e benefícios fiscais a partir de 2023 condicionados aos investimentos. O piso salarial dos trabalhadores seria reduzido, mas haveria alguma medida contra demissões em massa. Revendedores e autopeças topariam reduzir seus lucros pela metade. Em compensação, a GM anunciaria um pacote de investimentos entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões ao longo de cinco anos.
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